quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

I SIMPÓSIO Relações entre Ciência e Políticas Públicas: Propostas de Bertha Becker para o Desenvolvimento da Amazônia



Após quatro décadas de pesquisas na região amazônica, pesquisas de campo associadas a pesquisas teóricas realizadas com o apoio de vários projetos acadêmicos e por demanda de várias instituições federais que geraram inúmeras propostas para o seu desenvolvimento, considera-se pertinente efetuar o reconhecimento da relação ciência – política a partir da obra da Profa. Bertha Becker e dessa forma, contribuir com uma reflexão sobre os modos de inserção da ciência na formulação de políticas públicas para a Amazônia. Dessa forma, o Museu Paraense Emilio Goeldi - MPEG, por meio do projeto INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES formalizaram parceria para realizar uma série de Simpósios sobre a obra dessa importante pensadora, de forma a analisar com profundidade, o impacto de suas propostas para um novo modelo de desenvolvimento da Amazônia.



“É hora de retomar o significado de futuro ao propor um para a Amazônia.
Futuro é entendido como um processo de construção humana, como um tempo refletido, sonhado, desejado.  Construção humana a partir de um poderoso recurso estratégico que é a imaginação de cada um.  Imaginação que não se reduz a devaneios, ela corresponde a uma forma de consciência.
A transformação desse futuro possível em realidade dependerá do conhecimento científico-tecnológico e de inovações que repousarão em grande parte em vocês, jovens brasileiros, esperança da nação.”
Bertha Becker, Um Futuro para a Amazônia, 2008


PROGRAMAÇÃO
I SIMPÓSIO
Relações entre Ciência e Políticas Públicas: Propostas de Bertha Becker para o Desenvolvimento da Amazônia
DATA: DIA 16 DE JANEIRO DE 2013
LOCAL: SEDE DO BNDES, RJ
Sessão da Manhã
9:30 - 10:00 h – ABERTURA
João Carlos Ferraz (BNDES) – Vice-presidente do BNDES
Bertha Becker – Professora Emérita da UFRJ
Carlos Minc - Secretário do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro
Ima Vieira - Pesquisadora do MPEG e coordenadora do I Simpósio

10:00 – 12:00 h
1.       MESA 1 - As Metamorfoses do Plano Amazônia Sustentável e a nova conjuntura de infraestrutura para a Amazônia.
Coordenadora da Mesa: Esther Bemerguy – Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos - Ministério do Planejamento
Palestrantes:
Ima Vieira - Pesquisadora do MPEG e Coordenadora do I Simpósio 
Francisco de Assis Costa – Professor e pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - UFPA
Gilberto Siqueira – Consultor

12:00 às 13:30h - Brunch

Sessão da Tarde
13:30 às 15:30 h
2.      MESA 2: Inserção da Ciência no MacroZEE: O que foi feito?
Coordenador da Mesa: Roberto Bartholo - pesquisador da COPPE/UFRJ
Palestrantes
Roberto Ricardo Vizentin - Presidente do ICMBio
Adma Hamam de Figueiredo – Pesquisadora do IBGE
Claudio Egler – Professor da UFRJ

15:30 às 16:00 h - Intervalo para Café

16:00 às 18:00 h
3.      MESA 3: Território e Sustentabilidade na BR-163: estado atual do Modelo de Distrito Florestal Sustentável (DFS)
Coordenadora da Mesa: Tatiana Sá - Pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental
Palestrantes
Ana Albernaz, Pesquisadora do Museu Goeldi
Raimunda Monteiro, Professora da UFOPA
Antonio Carlos Galvão, Diretor do CGEE/MCT

18:00 às 18:30 h – Encerramento: Museu Goeldi/MCT, BNDES e CGEE/MCT

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Algumas considerações em prol da Revolução Beckeriana


Por Charles R. Clement, INPA
Em 22 de dezembro de 2003


A biodiversidade amazônica está sendo destruída porque não tem suficiente valor econômico para os amazônidas, os brasileiros ou o povo do mundo. No primeiro momento, isto pode parecer estranho, pois a biodiversidade é geralmente considerada como um dos principais recursos naturais da Amazônia. Além disto, o conhecimento tradicional sobre a biodiversidade é considerado a ter grande valor. Por que não tem suficiente valor?

Ao longo dos últimos 11 mil anos, os povos indígenas da Amazônia investiram sua inteligência e esforço em identificar usos para pelo menos 3500 espécies da biodiversidade amazônica e, para as 100 espécies mais úteis, investiram na sua seleção, propagação, manejo e cultivo. As 3500 espécies podem ser considerados recursos biológicos, com saber tradicional sobre seu uso. As 100 espécies são recursos genéticos, pois foram domesticadas em algum grau. Estes dois grupos de recursos são parte do conhecimento tradicional. O ritmo de investimento indígena foi reduzido drasticamente ao longo dos últimos 500 anos, período em que os povos indígenas foram dizimados e depois colonizados pelos atuais brasileiros.

Hoje, a soja está expandindo sua presença na Amazônia, contribuindo para a recuperação de algumas áreas alteradas e o desmatamento de novas áreas de Cerrados, Campos Naturais, Florestas de transição e até Florestas densas. Pergunta_se: por que a tão falada biodiversidade da Amazônia não está expandindo sua presença nos mercados como alternativa à soja? A razão é simples: não houveram suficientes investimentos em C&T e P&D&I ao longo das últimas décadas para desenvolver as cadeias de produção dos recursos biológicos e genéticos da Amazônia, como houve com a soja. A soja é um sucesso porque estes investimentos foram um sucesso e porque a soja tem demanda no mercado globalizado. Não existe muito demanda para os recursos bio_genéticos da Amazônia porque não houve investimentos para prepará_los para os mercados nacional e internacional. O ciclo do descaso é simples e irrefutável.

A história da Amazônia é repleta de exemplos de recursos bio_genéticos levados para outras regiões, tanto nacionais como internacionais, onde receberam novos investimentos para criar oportunidades de mercado. O mais famoso exemplo é a seringa, que foi levado em 1876 e causou a decadência do ciclo de borracha 50 anos mais tarde. Durante o intervalo, os ingleses investiram em P&D&I para transformar a seringueira mediocre do Rio Tapajós numa seringueira produtiva e de qualidade que poderia desbancar a seringueira nativa da Amazônia no mercado mundial. Por que o governo brasileiro não investiu no seu melhoramento antes de sua perda? A resposta não está publicada na literatura da época. Somente em 1938, após a decadência da borracha, o governo federal criou o Centro Nacional de Ensino e Pesquisa Agronômica, em Belém do Pará. Um exemplo mais recente é a pupunha para palmito, que foi identificada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia em 1980, divulgada via o Globo Rural em 1985, e hoje ocupa 15.000 ha nas regiões sudeste, sul do nordeste e centro_oeste, e norte do sul. Neste caso, os investimentos federais completaram uma parte da cadeia de produção de palmito, mas não todas, de forma que o sudeste teve vantagem comparativa, mesmo antes de que suas instituições de P&D&I completarem a cadeia de produção naquela região.

Existem dezenas de exemplos de sucesso no uso racional da biodiversidade, mas sempre em pequena escala e sempre onde existe uma organização social que desenvolve uma ligação com o mercado. As principais razões do sucesso limitado são a falta de qualidade e uniformidade do recurso disponível, e a dificuldade de acesso a quantidades razoáveis do recurso. Qualidade e uniformidade são características que podem ser resolvidas via o melhoramento genético, enquanto que as quantidades acessíveis podem ser resolvidas via a produção sustentável e o desenvolvimento de cadeias de comercialização. Quando existe a sinergia entre uma organização social e o mercado, estes fatores são resolvidos localmente. Mas a escala e os resultados são sempre locais. O Brasil possui abundante competência em ambas tarefas (melhoramento e comercialização) a nível nacional, mas esta competência não está sendo dirigida à domesticação (melhoramento genético e agronômico) da biodiversidade nacional   está sendo dirigida aos agronegócios rentáveis, como a soja.

Com o avanço da soja, da pecuária e do setor madeireiro na Amazônia, a biodiversidade amazônica está cada vez mais ameaçada. Considerando que sempre existirá um intervalo entre o início de um esforço de P&D&I e um aumento de demanda no mercado, é imprescindível que o Brasil inicie um esforço concentrado de investimentos na sua biodiversidade agora, sob risco de não aproveitar as oportunidades que esta oferece. Hoje o Brasil possui um conjunto de fatores que permitiriam uma verdadeira revolução científica enfocada na biodiversidade nacional, e em especial na biodiversidade da Amazônia.

1. Uma clara consciência das ameaças à biodiversidade nacional, e um desejo nacional para aproveitá_la e conservá_la;
2. Uma crescente número de organizações sociais buscando participação na economia nacional;
3. Um conjunto importante de instituições de C&T e P&D&I na Amazônia, tanto federais como estaduais e privadas;
4. Um contingente grande de recém doutores sem opções formais de emprego imediato;
5. Uma filosofia federal de desconcentração e descentralização dos recursos federais para C&T e P&D&I;
6. Um contingente crescente de Fundações de Amparo à Pesquisa;
7. A competência para investir em P&D&I de forma eficiente.

A revolução beckeriana propõe um pequeno número de obetivos abrangentes:

1. Avaliar cientificamente o conhecimento tradicional sobre os recursos biológicos e genéticos nacionais e suas espécies a fins para identificar aqueles recursos com alguma demanda de mercado;
2. Domesticar de forma participativa os recursos bio_genéticos com demanda para aumentar a uniformidade, qualidade e quantidade de seus produtos destinados ao mercado;
3. Desenvolver produtos e processos capazes de agregar valor nas regiões de origem dos recursos e reduzir o número de intermediadores entre as comunidades e os mercados;
4. Fomentar a interação entre empresas de pequeno e médio porte e as comunidades do interior para desenvolver cadeias de produção e comercialização eficientes.

Para maximizar o impacto dessa revolução científica a curto prazo alguns pressupostos deveriam ser respeitados:

1. A escolha dos recursos bio_genéticos a receberem investimentos deveria ser feito de comum acordo entre comunidades locais organizadas, organizações sociais (especialmente ONGs), as micro, pequeno e médio empresas interessadas, e as instituições de P&D&I da região, pois as entidades da sociedade civil e do setor produtivo deverão ter uma boa idéia de demanda de mercado para os recursos escolhidos. Este modelo já é preconizado pelo Centro de Biotecnologia da Amazônia e desejado pelos Sebraes da região, pois garantirá um enfoque em resultados de curto prazo.
2. Novos recursos bio_genéticos sempre possuirão pequenos nichos de mercado e o esforço de desenvolver estes deveria ser, necessariamente, proporcional. Ou seja, embora cada recurso deverá receber atenção, não deveria ser criado um grande complexo burocracia para fazer isto. A revolução poderá ser traçada nacionalmente, mas deverá ser executada localmente via as FAPs e as instituições regionais, e sempre via projetos desenhados para atender um recurso em uma comunidade.
3. O contingente de recém doutores desempregados deveria ser chamado para colaborar na revolução via bolsas (com enxoval) vinculadas a acordos entre ONGs e instituições de P&D&I. Os recém doutores que trabalharam na domesticação participativa deveriam estar preparados para vivir e atuar no interior do país durante a vigência da bolsa (que deveria ser de pelo menos 3 anos, renovável para mais 3). A revolução aprenderá do Projeto Rondon, mas não terá sedes próprios -- será sediado com as organizações sociais nas comunidades. Recém mestres também deveriam ser aceitos, embora o enfoque será em recém doutores.
4. O enfoque em domesticação participativa não quer dizer que outros esforços de desenvolver produtos oriundos da biodiversidade são menos importantes. É importante lembrar que o conhecimento tradicional das comunidades é muito menor que a magnitude da biodiversidade e não inclue grupos importantes, como os microorganismos e artropodas. Estes grupos requerem a atenção direta das instituições de P&D&I, de preferência em parceria com micro, pequeno e médio empresas. Esforços para incubar novos produtos e processos, e até novas empresas deveriam ser uma prioridade das instituições que desejam participar da nova revolução científica.
5. A revolução científica proposta precisa começar com investimentos massivos dos governos federal e estaduais, via os Fundos Setoriais, os orçamentos ministeriais e as FAPs, mas a idéia logo chamará a atenção do G7 e das agências internacionais. Neste momento, os governos e as instituições precisam estar preparados para gerenciar o apoio externo ao mesmo tempo que protege os direitos à propriedade intelectual das comunidades locais.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O governo do território em questão: uma perspectiva a partir do Brasil


Bertha K. Becker

Resumo 
O artigo “O governo do território em questão: uma perspectiva a partir do Brasil” está dividido em quatro partes: na primeira, é destinada à apresentação do ponto de partida da análise a ser efetuada, o governo do território pelo Estado Nacional; na segunda sessão mostra-se, sob a forma de questões, novas contribuições da geografia, sociologia e economia sobre a potência social e política do território. Compõem as duas últimas partes do trabalho o discurso atual do planejamento territorial na Europa, em tão estreita sinergia com o esforço científico que não se sabe quem influiu em quem, e a sua influência nas políticas territoriais do Brasil, e a interpretação da autora sobre tais inovações sob a perspectiva do Brasil.
Palavras-chave: Território. Políticas territoriais. Estado Nacional. Geografia. Sociologia. Economia.

Abstract
The article “The territory’s management in question: a perspective coming from Brazil” is divided into four parts: the first one, destined to the presentation of the initial idea for the analyses at hand, the territory’s management by the National State; the second part demonstrates, by means of inquiries, new contributions from geography, sociology and economy regarding the territory’s social and political potential. Composing the two last parts of the paper, the present positioning for Europe’s territorial planning, in a very tight synergy with the scientific effort, as its influence on Brazilian territorial policies; concluding with the author’s interpretation regarding these innovations under Brazilian perspective.
Keywords: Territory. Territory policies. National State. Geography. Sociology. Economy.

1. Introdução
A geopolítica foi um fundamento constante da formação do Brasil desde o início da colonização. Entendida como política do território, envolve relações de poder com o espaço geográfico. Em sua origem no final século 19, foi concebida como a política geográfica dos Estados Nacionais, que se consolidavam então em bases expansionistas. Se, a partir dos anos 1970 do século 20, torna-se patente a eclosão de geopolíticas e múltiplos atores que não apenas a dos Estados Nacionais, percebe-se, também, que a geopolítica é parte de um processo histórico mais amplo das relações entre poder e espaço geográfico, qual seja, o governo do  território.
Como magistralmente analisado por Foucault (1979), o governo do território como conjugação do verbo governar, seja como arte ou como saber, refere-se às relações entre poder e território desde a antiguidade, suas formas variando através da História. E como o poder não é uma “coisa”, e sim, constitui-se nas relações sociais, não é possível definir “o que o é poder”; é apenas possível captar suas manifestações em estratégias e mecanismos, que igualmente variam com as formas históricas de governar.
Tendo em vista a importância da geopolítica do Estado na formação social e territorial do Brasil e do planejamento territorial por ela induzido, e tendo em vista a incerteza que domina no grande debate contemporâneo quanto ao poder do Estado sob o impacto da globalização, tem-se como objetivo neste texto analisar as relações espaço-poder num patamar mais elevado, do governo do território. Para tanto recorre-se a elementos da literatura científica surgida no final do século 20 que contribuem para compreensão desse processo.
O texto compõe-se de quatro sessões. A primeira sessão é destinada à apresentação do ponto de partida da análise a ser efetuada, o governo do território pelo Estado Nacional. Na segunda sessão apresentam-se, sob a forma de questões, novas contribuições da geografia, sociologia e economia sobre a potência social e política do território. O discurso atual do planejamento territorial na Europa, em tão estreita sinergia com o esforço científico que não se sabe quem influiu em quem, bem como a sua influência nas políticas territoriais do Brasil, compõem a terceira e última sessão, finalizada com a interpretação da autora sobre tais inovações sob a perspectiva do Brasil.

2. Governo do Estado e instrumentalização do território
Governabilidade é o tipo de governo e de saber político próprio a um modelo específico de Estado, o Estado moderno, desenvolvido entre fins do século 17 e do século 20 (FOUCAULT, 1979).
Crescimento demográfico, economia política e população compõem o tripé de gestação da nova forma de governo cuja estratégia central é regular e controlar a população. Nesse contexto, a disciplina entendida como necessária à ação com o coletivo, torna-se crucial, pois que “é, sobretudo, uma análise do espaço, de como dispor as coisas de modo conveniente de forma a controlá-las para alcançar os objetivos desejados”. (FOUCAULT, 1979).
Inicialmente, duas escalas emergem como prioritárias para a ação do Estado: a escala do território nacional e a “microfísica” do poder.
Entre o segundo após-guerra e os anos 1970, o Estado assume maior poder, forjando-se o Estado Keynesiano. Tal fortalecimento, bem analisado pela ciência, como no caso da contribuição seminal de Henri Lefebvre sobre a produção do espaço pelo Estado (1974), manifesta-se em novas estratégias e escalas de ação. Surge o planejamento territorial centralizado, visando organizar espacialmente a economia nacional como um sistema de regiões. E a macrorregião torna-se a escala ótima para a ação do poder centralizado, na medida em que favorece a unificação do mercado e as parcerias negociadas com as elites regionais.
O Brasil foi um caso exemplar da produção do espaço pelo Estado, sobretudo entre 1965-85. Símbolo do seu esgotamento em 1985, é o último grande projeto criado na Amazônia, o Projeto Calha Norte.
Logo, intensas e aceleradas transformações mundiais afetam a governabilidade e novas formas de governo se delineam em meio a fortes instabilidade e incerteza.

3. Poder multidimensional e o território como protagonista
A partir de 1970 processa-se incisiva reestruturação econômica, política e geográfica do planeta, reconstituindo-se a potência social e política do espaço em múltiplas dimensões, que só a do Estado-Nação (BECKER, 1988).
Desnecessário alongar-se nas condições e fatores subjacentes à mudança, por demais conhecidos. A revolução na microeletrônica e na comunicação responsável por formidável expansão da conectividade através da ciência da informação e das tecnologias de comunicação, e responsável por um novo modo de produzir baseado na informação e no conhecimento, que não constitui apenas uma nova técnica, mas sim, afeta todas as relações sociais e de poder (CASTELLS, 1994; BECKER, 1995)
A integração global da economia é o fato crucial do novo contexto, em que o esgotamento do fordismo e a nova estratégia da grande empresa em rede é fator-chave, capaz de atribui-lhe a flexibilidade necessária à velocidade acelerada e à conectividade ampla, fortalecendo o poder privado não só na economia como na política. Em contrapartida, fortalecem-se também numa escala planetária os movimentos sociais de protesto contra o neoliberalismo excludente.
Crise fiscal e política do Estado, acompanhada da crise do planejamento centralizado e do foco na macrorregião como escala ótima da ação estatal, são corolários desse processo. O conceito de gestão surge nesse momento – prática estratégica, científico-tecnológica do poder no espaço-tempo (BECKER, 1988) – incorporando a parceria público-privada e, assim, buscando amparar o planejamento.
Em consequência, o Estado Nacional deixa de ser concebido como a única fonte de poder, e o território nacional como única escala de poder. A muldimensionalidade do poder explode em múltiplas territorialidades, expressando a nova estrutura de relações espaço-tempo, possibilitada pela conexão local-global.
Lefebvre, arauto da produção do espaço pelo Estado, já em 1979 apontava que “nos defrontamos com um extraordinário e pouco divulgado fenômeno: a explosão dos espaços. Nem o capitalismo nem o Estado podem manter o caótico e contraditório espaço que produziram...” Na verdade, trata-se de uma explosão de territórios, não tanto de espaços.
Com alguns estudos precursores, é a partir da década de 1980 que a ciência investiga o novo contexto histórico, desnaturalizando conceitos arraigados há décadas. Tal desnaturalização induz a uma “corrida” para o território, o espaço vivido, contra o espaço concebido e funcionalmente integrado. A análise das relações multidimensionais do poder se impõe para superar o determinismo da concepção unidimensional do poder e a dicotomia concebido vivido.
E vem à tona a profunda instabilidade, ambivalência e incerteza sobre o Poder, bem expressa no fato de se acrescentar o vocábulo “novo” à frente de disciplinas ou de algumas de suas temáticas como, por exemplo: Nova Economia Institucional (NEI), Novo Regionalismo (NR), Nova Sociologia Econômica (NSR), Nova Economia Política da Escala (Nepe).
Cumpre, assim, investigar tais contribuições em suas relações com o governo do território, no
esforço da ciência para compreender a complexidade do mundo contemporâneo, verificando o
que há de realmente novo.

O Poder do Território – Territorialidades vs Poder do Território Nacional?
Em suas origens associado à biologia – espaço ocupado por seres vivos – a noção de território avançou com seu uso na geografia, sobretudo, o território associado do Estado Nacional como dado.
No final do século o território é desnudado – o conceito é desnaturalizado e importantes contribuições da geografia e da sociologia revelam o seu potencial político, que pode ser assim definido (BECKER, 1988):
a. O território é o espaço da prática;
b. Por um lado é um produto da prática espacial: inclui a apropriação de um espaço, implica a noção de limite – um componente de qualquer prática –, manifestando a intenção de poder sobre uma porção precisa do espaço. Por outro lado, é também um produto usado, vivido pelos atores, utilizado como meio para sua prática (RAFFESTIN, 1980);
c. A territorialidade humana é uma relação com o espaço que tenta afetar, influenciar ou controlar ações através do reforço do controle sobre uma área geográfica específica, i.e., o território (SACK, 1986). É a face vivida do poder;
d. A territorialidade manifesta-se em todas as escalas, desde as relações pessoais e cotidianas até as complexas relações sociais. Ela se fundamenta na identidade e pode repousar na presença de um estoque cultural de base territorial que resiste à reapropriação do espaço;
e. A malha territorial vivida é uma manifestação das relações de poder, da oposição do local ao universal, dos conflitos entre a malha concreta e a malha abstrata, concebida e imposta pelos poderes hegemônicos.
O reconhecimento do território como protagonista é também uma proposta da Nova Sociologia Econômica, com base nos trabalhos de Fligstein (2001), inspirado em North (1990-94) e Bourdieu, e debatido no Brasil principalmente por Abromovay (2006).
Nessa concepção, a interação social produz o território, que constitui, assim, um ator social. A natureza dos laços sociais em sua interação localizada é a compreensão essencial desse processo; basea-se na “cooperação”, que gera um processo de aprendizagem e produção de conhecimentos tácitos, utilizados para a coordenação do processo, inclusive, pelas empresas. A liderança é considerada crucial nesse processo, na medida em que a vida social dá-se em campos ou arenas, onde o objetivo central da ação é conseguir a cooperação; cooperação que só pode ser obtida com a “habilidade social” dos líderes, entendida essa habilidade como a capacidade de construir coalizões, conseguindo adesões para enfrentar outras coalizões, ou seja, configurando relações de dominação.
A intensificação da conectividade global trouxe um novo elemento na formação do território: as redes. Se sempre existiram, no passado eram elementos constituintes do território, mas hoje são elementos constituidores do território, redes e território desempenhando um papel recíproco em sua mútua constituição (HAESBERT, 1997).
Redes são um modo de organização. Rede geográfica pode ser definida como um conjunto de ligações geográficas interconectadas entre si por certo número de ligações. Tem um papel estratégico nas relações de poder, gerando simultaneamente ordem/desordem, conexão e exclusão, integração e partição. A densidade de diferentes tipos de redes pode, assim, esboçar uma tipologia de territórios: naturais, técnicas, de comunicação e transnacionais (econômicas e políticas).
Redes políticas, embora menos analisadas, são instâncias e procedimentos de coordenação horizontal e descentralizada. Emergem, com maior nitidez, nos interstícios das esferas de poder estabelecidas pelas instituições estatais. São as redes políticas territorializadas que conectam, solidarizam poderes locais entre si, redesenhado contornos e forjando novas territorialidades.
O Poder das Instituições (NEI) – Governança vs Governo?
Duas contribuições, com significado político oposto, originam-se da Nova Economia Institucional (NEI).
a. Certamente a obra de Douglas North (1990-94) – Prêmio Nobel de Economia – introduzindo a História na economia e, assim, rompendo com a tradição neoclássica da disciplina, constitui uma contribuição fundamental para compreender as relações entre poder e o território. Sua influência vem se dando em múltiplas disciplinas e contribui para melhor entender o Brasil.
Ao analisar as instituições como cerne do desenvolvimento, North desvela o seu poder. Chegou a essa conclusão partindo de duas questões associadas: 1) quais os determinantes básicos da riqueza no Mundo Ocidental? 2) o crescimento econômico é condição necessária para combater a pobreza – mas a vitória sobre a pobreza pode ser um estímulo significativo para o crescimento econômico?
Respondendo às questões, afirma que a verdadeira causa do desenvolvimento é a organização eficiente, implicando em arranjos institucionais e direitos de propriedade que incentivam o esforço dos indivíduos em atividades que aproximam as taxas privadas e as taxas sociais de retorno. Não são capacidades inovadoras, democratização do ensino, acumulação, que causam o desenvolvimento – esses processos “são” o desenvolvimento. O desenvolvimento resulta, essencialmente, de relações humanas, o que permite encará-lo como resultado histórico de certas formas de coordenação. Em outras palavras, “o desenvolvimento reside nas instituições, nas formas de coordenar ações individuais e grupos”.
Instituições são as regras do jogo – não só escritas, valores, e representações – que reduzem a incerteza; as organizações delas geradas são os jogadores. A mudança institucional pode ser realizada pelas organizações mediante escolhas técnicas apoiadas em conceitos científicos, e dependem de vasta rede social que envolve a aprendizagem de um conjunto de atores e um processo permanente de adaptação. Mas, mecanismos
como o lock in – isto é, acomodação após ter alcançado uma solução – e, sobretudo, o dependency path – a trajetória dependente de condições históricas originais – constituem poderosos fatores de inércia contra a mudança institucional e são centrais no comportamento das organizações.
Assim, a cada passo histórico houve escolhas políticas e econômicas, alternativas reais, nem sempre assumidas devido a aqueles fatores de inércia. O processo de transformação será sempre lento e gradual, e jamais uma ruptura, e nele a cultura tem papel crucial.
b. A outra contribuição da NEI é a concepção e difusão do conceito de governança. Incorpora a questão institucional na organização das transações econômicas, em que as empresas constituem os jogadores, definindo governança como “o conjunto de regras que governam uma determinada transação” (WILLIAMSON, O., 1996). O conceito envolve interesses privados, não lucrativos e públicos.
Governar a transação supõe incentivar comportamentos sem deixar de monitorá-los; garantir a adesão dos principais atores a códigos pré-acordados por meio de mecanismos que tentam reduzir ou eliminar conflitos de interesses. A transação ocorrer em diferentes escalas, e sua liderança pode residir tanto no setor privado, nas ONGs, como no setor público. E, também, residir em parcerias.
Essa multiplicidade de interesses e atores com certo poder de decisão e ação, além do poder do Estado, parece estar na base de incrível difusão e aceitação do termo em múltiplas disciplinas.

O Poder das Regiões – Sistemas de Regiões vs Sistema de Estados?
O novo regionalismo focaliza a dimensão regional da globalização, assumindo que é a perspectiva regional a que absorve e define a interação da globalização, urbanização e industrialização com o desenvolvimento.
Duas tendências são reconhecidas na formação contemporânea das regiões: a. Um processo de “cima para baixo”, em que a região é integrada por redes, nós urbanos e fluxos, compondo a cidade-região global. A nova estratégia da empresa transnacional pós-fordista, em rede, tem papel central na construção de formas novas e instáveis de um regionalismo complexo e assimétrico conectado em rede. E o conceito de cidade-região global é estabelecido como fundamento de uma forma particular de análise e interpretação. (FRIEDMANN, 1986; SASSEN, 1991; SCOTT, 2001)
Importante para o Brasil é a diferença fundamental a ser registrada entre esses autores. Os norte-americanos, sediados em Los Angeles, na costa do Pacífico, atribuem ao avanço da industrialização à formação das cidades-região globais, enquanto Sassen e uma gama de pesquisadores europeus defendem os serviços especializados avançados como fundamento de sua existência.
Se o processo de urbanização vem se acelerando há muito, o que é novo hoje é a incrível concentração de poder nas cidades-região globais (SOJA, 2006). Elas surgem como guias e forças motrizes na construção da nova sociedade mundial. Em outras palavras, o processo de urbanização regional renova o papel das cidades e regiões como lugares de tomadas de decisão com foro de autonomia política, de poder.
A magnitude dessas novas concentrações tem levado estudiosos a utilizar a imagem da formação de um arquipélago mundial (VELTZ, 1996), e outros a cogitar se não estaríamos voltando à forma de governo das cidades-estado.
Tais concepções, dizem uns, apóiam-se na prática, com a tendência de transformações comerciais serem realizadas mais entre regiões do que entre países. Numa visão, certamente, europeicêntrica.
b. Um processo de “baixo para cima” gera, também, sistemas territoriais de alcance regional e/ou local em que o fator de integração são os “laços sociais” e não tanto os fluxos.
No caso do norte da Itália, inspiradora do que é considerado um caminho alternativo de formação das regiões, trata-se de pequenas e médias empresas que cooperam graças a um tecido social formado por agentes sociais e institucionais, que competem com base em seus recursos culturais, redes sociais e capacidade de gestão.
Numa visão mais abrangente, as regiões são consideradas forças motrizes para o desenvolvimento social, similares em impacto e influência à divisão do trabalho. Economias regionais coesas e consistentes são forças ativas e formações sociais especificas que influem consideravelmente em nossas vidas e, em certas condições, podem gerar desenvolvimento e estímulo à criatividade. A proximidade espacial, as relações entre empresas e redes socioinstitucionais favorecem a aparição e difusão de conhecimentos convertendo as regiões em áreas potencialmente inovadoras, o que explica considerá-las como territórios emergentes na lógica produtiva atual. (STORPER, 1996)
Poder em Múltiplas Escalas (Nepe) – Competição com o Estado ou Nova Forma de Poder do Estado?
O planejamento centralizado foi uma criação da URSS adotada no mundo entre o após-guerra e 1970. O Brasil não fugiu à regra. Pelo contrário, foi um caso exemplar da construção do Estado e de planejamento centralizado até meados da década de 1980. Dadas à privatização de ativos nacionais a expansão das corporações em rede, os movimentos sociais e as crise financeira e fiscal do Estado, o Estado Nacional deixa de ser a única fonte de poder e o território nacional a única escala de poder (BECKER, 1983); o planejamento centralizado entra em crise; o termo gestão emerge, expressando a parceria público-privada, e políticas de descentralização são formuladas, como bem ocorreu pós-1985 (BECKER, 1988).
Tornam-se incertos os poderes do Estado e do planejamento. Mesmo tendo consciência de que o Brasil não é Europa, é lícito conhecer o que se passa naquele continente onde ocorreu grande realinhamento da governança urbana e da política espacial. É possível distinguir as mudanças no planejamento na Europa Ocidental (BRENNER, N. 2004): a) na década de 1960, os Estados implantaram estruturas administrativas relativamente uniformes e políticas espaciais redistributivas para combater desigualdades, através da extensão do crescimento urbano-industrial nas regiões subdesenvolvidas; b) continuada no início da década de 1970, essa política foi depois abandonada na medida em que as preocupações crescentes dos políticos passaram a ser os desafios do declínio urbano-industrial, a retração do Estado do bemestar, a integração européia e a globalização econômica, os governos a mobilizar novas abordagens de crescimento para promover o “desenvolvimento de baixo para cima” ao invés de programas centralizados; c) a partir de 1980, novas políticas espaciais intencionam “reconcentrar” capacidades produtivas e realizam grandes investimentos de infraestrutura nas cidades-região mais capazes de competir globalmente. Também as grandes regiões urbanas são equipadas com formas específicas de administração governamental, finalidades especiais e arranjos regulatórios para lhes atribuir vantagens competitivas e atrair capital.
Em suma, na Europa Ocidental o projeto de pós-guerra de equalização do território nacional e redistribuição sócioespacial é superado por estratégias qualitativamente novas nas escalas nacionais, regionais e locais, visando colocar as maiores economias urbanas em posição vantajosa nos circuitos globais e supranacionais do capital (BRENNER, 2004).
Tal processo revela que o território nacional não é mais a escala privilegiada de ação favorecendo no debate contemporâneo sobre a globalização, o argumento da maioria quanto à previsão do colapso ou o declínio do Estado, e o deslocamento do poder para a escala supranacional. Alguns poucos contra-argumentam demonstrando que os “Estados nacionais estão sendo qualitativamente transformados, e não destruídos nas condições geoeconômicas contemporâneas”. Em resposta a pressões globais e domésticas, as diversas arenas de poder do Estado nacional, bem como as políticas e as lutas sociais, estão sendo redefinidas. E a governança urbana, entendida como a regulação da urbanização, torna-se o mecanismo político crucial através do qual vem ocorrendo a profunda transformação institucional e geográfica na transformação do Estado Nação de 1970.
Verifica-se, assim, a importância da descentralização de tarefas regulatórias para escalas subnacionais e não só para a supranacional. E a escolha de espaços locais e regionais para o desenvolvimento econômico não ocorreu num quadro institucional fixo – ela foi viabilizada por uma transformação fundamental das configurações escalares do Estado e passou, então, a acelerar essa transformação.
Significa que foi desestabilizada a primazia da escala nacional com novas hierarquias escalares da organização das instituições estatais e das atividades regulatórias do Estado. “Mas as instituições
do Estado nacional continuam a ter papel chave na formação das políticas urbanas, ainda que a primazia da escala nacional da vida político-econômica seja descentralizada.”
A “noção de reescalonamento do Estado caracteriza, assim, a forma transformada do Estado no capitalismo
contemporâneo. Se no século 20 as estratégias políticas tinham como foco estabelecer uma hierarquia centralizada do poder, hoje, elas estão superadas, na medida em que uma configuração do estatismo mais policêntrica, multiescalar e não-isomórfica está sendo criada.” (BRENNER, 2004).
É o que se verifica na política regional européia que, visando mais crescimento e emprego para todas as regiões e cidades, estabelece como escalas de ação (CARRIÈRE, JEAN PAUL, 2006):
ZIEM – Zona de integração econômica mundial; subespaços interregionais e transnacionais
FUA – Área funcional urbana: núcleo urbano e área entorno integrada pelo trabalho
MEGA – Área de crescimento submetropolitano. Envolve 76 FUAS
PUSH – Área de potencial urbano com horizonte estratégico
PIA – Área potencial de integração policêntrica. Envolve PUSH
Para evitar os riscos de fragmentação territorial, destinam-se 81,54% dos recursos para a política de coesão, assim garantindo a complementaridade e competitividade das regiões.

3.1. A economia política da escala e as “unidades” de análise
As funções do poder do Estado estão, assim, passando por um processo de transformação qualitativa através de seu reescalonamento. Em contraste com as previsões de desnacionalização, das capacidades regulatórias do Estado, seja pelo crescimento dos blocos supranacionais seja por regionalização, o que ocorre é a permanência das instituições nacionais espacialmente reconfiguradas, como as mais importantes animadoras e mediadoras da reestruturação político-econômica em “todas as escalas geográficas”.
A erosão do Keynesianismo espacial não gerou um processo de descentralização em que uma só escala esteja substituindo a escala nacional como nível mais importante de coordenação político- econômica. Pelo contrário, verifica-se ampla recalibração das hierarquias e interações escalares através do conjunto do aparelho Estado em todas as escalas – supranacional, nacional, regional e “urbana”. Funções do poder do Estado estão passando por um processo de transformação qualitativa através do reescalonamento.
Tais revelações mostraram a necessidade de repensar e reconceituar “escala”. Termos como local, urbano, regional nacional são usados como estáticos, perenes, congelados no espaço geográfico e para demarcar “ilhas” de relações sociais, escalas específicas para atividades sociais, mascarando a profunda imbricação mutua de todas as escalas.
As análises contemporâneas apresentam importantes proposições para a Nova Economia Política da Escala (SMITH, 2004; JESSOP, 2002):
• O escalonamento de processos sociais. As escalas geográficas não são dadas, nem fixas. São socialmente produzidas e, portanto, periodicamente modificadas na e através da interação social. Constituem uma partição geográfica em que diversas formas de interação se enquadram porem jamais concluídas para sempre, sendo continuamente forjadas pelas práticas, conflitos e lutas sociais. (SWINGEDOUW, 1997)
• Relação entre as escalas. As escalas se relacionam entre si; as características e a dinâmica de qualquer escala geográfica só podem ser entendidas em termos de seus laços com outras escalas situadas dentro da ordem escalar em que ela está embebida. Significa que os termos escalares global, nacional, etc, diferem qualitativamente segundo o processo social ou formas institucionais específicas a que se referem.
• Mosaico escalar. A paisagem institucional do capitalismo não se caracteriza por uma única englobante pirâmide escalar em que todos os processos sociais e formas institucionais estão inseridos. Diferentes tipos de processos sociais têm geografias muito diferentes e nem todas cabem no mesmo conjunto de hierarquias embutidas. Cada processo social ou forma institucional pode estar associado com um padrão diferente
de organização escalar, de tal modo que a configuração escalar do capitalismo como um todo pode ser descrito como um mosaico (LEFEBVRE, 1991). Cabe, assim, entender como, porque e quando o processo social ou a forma institucional se subdividiu em uma hierarquia vertical de escalas separadas, mas intervenientes. E a partir daí, considerar as unidades espaciais relevantes.
• Fixos escalares. As grandes formas institucionais do capitalismo moderno – firmas e Estados – integram e evolvem continuamente, produzindo estruturas da organização aninhadas hierarquicamente (HARVEY, 1982); essas emolduram a vida social em provisoriamente solidificadas “escalas fixas”, correspondentes a hierarquias geográficas temporariamente estabilizadas, que prevalecem sobre outras. A história do c capitalismo é uma sucessão de fixos escalares instáveis e refeitos.
• Transformações escalares. O processo de reescalonamento não significa simplesmente substituir uma configuração escalar por outra, completamente formada, ou à total desaparição de uma escala, superada por outras. O reescalonamento ocorre com a interação de arranjos herdados com outros emergentes apoiados em novas estratégias. Ocorre em meio a intensas pressões para reestruturar uma dada ordem decorrentes das resistências da antiga ordem dominante – em outras palavras, na ocasião de intensa luta ZEE sociopolítica. A Nova Economia Política da Escala contrasta com a “velha”, “que envolvia debates
epistemológicos quanto à unidade de análise” para a investigação sociocientífica, desde a institucionalização dessas ciências no fim do século 19. Só recentemente os cientistas sociais reconheceram explicitamente o caráter historicamente maleável e politicamente contestado da organização escalar.
Reconhecendo a retomada da potencialidade social e política do espaço no último quartel do século 20, conceituamos escala como uma arena política, definida por níveis significativos de territorialidade, expressão de uma prática espacial coletiva fundamentada na convergência de interesses, ainda que conflitiva e momentânea (BECKER, 1988). Essas territorialidades, constituídas por redes políticas, via de regra geradas nos interstícios criados pela administração públicas, criam novas escalas geográficas, novas escalas territoriais de poder, enfim, novas arenas políticas na Amazônia. O papel desempenhado pelas associações municipais é crucial nessa ruptura de escalas estabelecidas e insinuação de escalas insurgentes entre as escalas local e regional. Trata-se de redes associativas e federadas em sua própria natureza, e é o principio federador que tende a fortalecer alianças de um pacto local projetado regionalmente (LIMA, 2004).
Metodologicamente, passa-se a:
• Conceituar escala como um processo – de localização, de regionalização, de nacionalização, etc –, e não como algo fixo;
• Conceituar a relacionalidade intrínseca de todas as escalas geográficas e sua inserção em hierarquias interescalares mais amplas;
• Desenvolver metodologias que enfatizam relações entre escalas e transformações multiescalares, e não que focalizam uma escala distinta.

O princípio da precaução – é possível eliminar a incerteza?
As primeiras fortes restrições à certeza absoluta postulada pelas ciências positivista, foram superadas com o próprio arsenal científico: a lei das probabilidades e os graus de certeza elaboradas no início do século 20.
Todo um sistema de seguridade social com instituições associadas desenvolveram-se no século 20 com base nas certezas científicas. Mas no fim do século, essa estrutura institucional tornase progressivamente inadequada em face de novos riscos decorrentes do funcionamento de sociedades complexas, que são impossíveis de serem mensurados, sobretudo no que tange ao meio-ambiente. (ROMEIRO, 1999, 2001). Ademais, a velocidade acelerada da dinâmica mundial impede que a ciência acompanhe on-line as transformações em curso.
Nesse contexto, a noção de incerteza substitui a de probabilidade. Significa admitir a incapacidade da sociedade de prever perdas irreversíveis e crescente questionamento da ciência que, para alguns, levanta mais dúvidas do que apresenta soluções e cujas conclusões tendem a ser instrumentalizadas pelas estratégias dos diversos atores sociais.
O Principio da Precaução constitui uma importante mudança institucional para buscar segurança em meio à incerteza. Tem como objetivo tratar uma situação ambivalente considerando legítima a adoção antecipada de medidas relativas a uma fonte potencial de danos, sem esperar que se disponha de certezas científicas quanto à relações de causalidade entre a atividade em questão e o dano temido. A precaução é “o lobo” do irracional no estábulo da decisão pública (GODARD, 1997, apud ROMEIRO).
Trata-se, assim, de uma ruptura com práticas anteriores de precaução baseada no conhecimento racional; implica no abandono da crença positivista que reflete o mundo objetivo e sua substituição por uma ciência marcada por escolhas e compromissos de natureza social, no próprio cerne da constituição do conhecimento.
Mas o principio da precaução não abandona totalmente o projeto da racionalidade positiva. Situa-se na articulação de duas lógicas opostas: de um lado, a reafirmação da inovação tecnológica e suas opções e, de outro lado, a consideração dos interesses em jogo.
A esse princípio associa-se uma nova ciência, “pós-normal”, em que os fatos são estendidos e a comunidade de pares é ampliada com atores que realizam atividades variadas e podem ter informações relevantes para debater problemas incertos. Estabelece-se verdadeiro processo de eliminação sucessiva de níveis de incerteza; à medida que se consiga consenso sobre um tema, discutem-se novas decisões com níveis mais reduzidos de incerteza.

4. O discurso atual do planejamento, o Brasil e a Amazônia – um novo olhar sobre o território
O discurso contemporâneo do planejamento está em sinergia com as inovações científicas que buscam compreender a complexidade da sociedade contemporânea, desnaturalizando conceitos e direcionando-se para o território.
Em essência, o divisor de águas com políticas territoriais anteriores é conceber e realizar ações mais próximas ao tecido social por meio da articulação de escalas.
As novas tendências, inclusive no Brasil, repousam sobretudo na experiência européia, cujas estratégias podem ser sintetizadas, tal como a seguir apresentadas (BATCHLER et al, 2003, apud GALVÃO, 2007):
• Objetivos – promoção da competitividade regional;
• Declínio dos instrumentos tradicionais de políticas orientadas pela demanda (ajuda aos negócios) em favor instrumentos mais leves articulados do lado da oferta;
• Contração de áreas atendidas por ajuda regional; expansão de iniciativas locais; maior precisão de alvos territoriais (áreas urbanas) e setoriais (clusters);
• Mudanças na governança das políticas (descentralização, parcerias e coordenação);
• Crescente interesse na sustentabilidade e na inclusão social;
• O planejamento europeu, preocupado com as fortes pressões competitivas, atribui a políticas de coesão territorial, papel central. Reconhecendo que o impacto da globalização da economia de livre mercado pode ser devastador devido a decisões tomadas fora da região ou da própria Europa, torna a política de coesão o elemento mais importante da estratégia: 81,54% dos recursos são a ela destinados, para tornar as regiões mais atrativas aos investimentos externos e para estimular a complementaridade interna.
As novas tendências do planejamento estão presentes no abrangente “Estudo da Dimensão Territorial do PPA e do Planejamento Governamental a Longo Prazo”, elaborado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) em 2007. É patente a tentativa de um novo olhar sobre o território no marco conceitual desse estudo (GALVÃO, A.C.):
“O território é um guia para orientar a ação...; a política territorial não consiste mais em distribuir recursos e riquezas já criadas, mas ao contrário, em despertar os potenciais para a criação de riquezas e coordenações novas...; O grande desafio do planejamento é promover, de forma coordenada, o deslanchar das muitas oportunidades de investimento que emergem das realidades regionais e locais...; Garantir a coesão territorial é corolário desse desafio...; Insuficiência das políticas regionais clássicas voltadas para macrorregiões inteiras. Políticas necessitam ser operacionalizadas segundo as diferentes escalas territoriais”...
O Brasil não é a Europa, e os EUA, onde estão sendo elaborados estudos e realizadas ações, muito menos a Amazônia. É, pois, necessário extrair da análise anterior o seu significado para o Brasil e a Amazônia.
Sob os esforços da ciência e os discursos e ações do planejamento, não há tanto de novo na essência: trata-se de como competir mais e melhor.
Destacam-se, na verdade, processos de aprofundamento da competição. É o caso de engajar os territórios na competição em diferentes escalas, envolvendo o seu tecido social e o conhecimento produzido, e promovendo a cooperação e o aprendizado para competir.
É o caso, ainda, de novas formas de controle social tais como governança, que incentiva comportamentos sem deixar de monitorá-los; e habilidade social, entendida como liderança para cooperar e competir.
Mas destacam-se, também, proposições que reafirmam, apenas alteram ou eliminam conceitos e práticas convencionais. É o caso da reafirmação, sob forma inovadora, de fatores cruciais do processo de desenvolvimento geralmente negligenciados, como é o caso da História dos territórios e das instituições que os regulam. É o caso da proposição sobre a nova forma do Estado no capitalismo, que altera concepções convencionais, mas reafirma a importância das instituições do Estado como as mediadoras mais importantes no processo de desenvolvimento. E é o caso da eliminação das escalas nacional e macrorregional, respectivamente como única e ótima para a ação.
A partir de tais destaques, assim considerados por seu interesse para o Brasil, coloca-se como questão político-econômica central para orientar o planejamento territorial na Amazônia: a competição. Extensas áreas do território brasileiro na Amazônia permanecem à margem até mesmo da economia de mercado. Deve o Brasil deixar essas fora da competição globalizadora? Ou tentar inseri-las nesse processo?
Ao que indica, no processo contemporâneo de globalização, apesar da crise, a competição avança. Considerando a especificidade do contexto amazônico marcado por intensas disputas próprias a um capitalismo selvagem, com competição extremamente desigual entre os atores, não é possível embarcar cegamente na competição. A qualificação da competição a ser considerada torna-se crucial, exigindo reflexão por cientistas e políticos e, importante, exigindo o aprendizado da população para poder competir com os poderosos atores que por lá avançam, e exigindo mudanças institucionais capazes de romper o dependency path.

Referências
ABRAMOVAY, R. Para uma teoria dos estudos territoriais. In: MANZANAL, M., NEIMAN, G. e LATTUADA, M. Desarrollo Rural: organizaciones, institucione y territórios. Buenos Aires: Ed.
Ciccus. 2006.
BECKER, B. K. O uso político do território. In: ABORDAGEM POLÍTICAS DA ESPACIALIDADE, Rio de Janeiro: Dep. Geografia/UFRJ. 1983.
_____. A geografia e o resgate da geopolítica. R.B. Geografia, v. 50, n. 2, Edição Especial, RJ: IBGE. 988.
_____. A Geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sustentável. In: CASTRO, I.E., GOMES,
P.C., CORREA, R.L. (Orgs.) Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1995.
BECKER, B.K.; EGLER, C.A.G. Detalhamento da metodologia para o zoneamento ecológico-econômico da Amazônia legal. Brasília: SAE/MMA/LAGET, p. 1-43.1997.
BOURDIEU, P. Les structures socials de l´economie. Paris: Seunil, s/d.
BRENNER, N. New state spaces: urban government and the rescaling of statehood. New York: Oxford University Press. 2004.
CARRIÈRE, J.P. Uma reflexão sobre a construção do policentrismo na Europa: aportes e limites do relatório Potencial de desenvolvimento policêntrico na Europa. In: Textos de referência em planejamento e gestão territorial. Brasília: MPOG; Comissão Européia. 2006.
CASTELLS, M. European cities, the informational society and the global economy. New Left Review. Mar-Apr. 1994.
CORRÊA, R. L. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2001.
FLIGSTEIN, N. Social skill and the theory of fields. Sociological Theory, v. 19, n.2. 2001.
FOUCAULT, M. A microfísica do poder, Rio de Janeiro: Graal. 1979.
FRIEDMANN, J. The world city hypothesis, development and change. 1986.
GALVÃO, A.C. Estudo da dimensão territorial do PPA e do planejamento governamental a longo prazo. Brasília: CGEE. 2007.
HAESBAERT, R. Des-territorialização e identidade. Niterói: EDUFF. 1997.
HARVEY, D. The limits to capital. Chicago: University of Chicago Press.1982.
JESSOP, B. The future of the capitalist state. London: Polity. 2002.
LEFEBVRE, H. De l’ État. Paris: Union Génerale, 1978.
____. The Production of Space. Cambridge, Mass: Blacwell. 1991.
LIMA, I. Escalas insurgentes na Amazônia Brasileira. In: LIMONAD, E.; HAESBAERT, R.; MOREIRA, R. (Orgs.) Brasil, século XXI – por uma nova regionalização. São Paulo: Ed. Max Limonad. 2004.
NORTH, D.C. Institutions, institutional change and economic performance. London: Cambridge University Press. 1990-94.
RAFFESTIN, C. Pour une géographie du pouvoir, Paris: Litec. 1980.
ROMEIRO, A.R. Desenvolvimento sustentável e mudança institucional: notas preliminares. Campinas: IE/UNICAMP. 1999. (Texto para Discussão, n. 68).
____. Economia ou economia política da sustentabilidade? Campinas: IE/UNICAMP. 2001. (Texto para
Discussão, n. 102).
SACK, R.D. Human territoriality: its theory and history. Cambridge: University Press, London. 1986.
SASSEN, S. The global city. Princeton NJ: Princeton University Press. 1991.
SCOTT, A.J. Global city-regions. New York: Oxford University Press. 2001.
SMITH, N. Scale bending and the fate of the national. In: SHEPPARD, E.; MCMASTER, R.(eds.) Scale and geographic inquiry. Oxford: Blackwell. 2004.
SOJA, E.W. Algumas consideraciones sobre el concepto de ciudades-region globales. Rio de Janeiro: UFRJ/IPPUR. Cadernos IPPUR, v. 20, n. 2. 2006.
STORPER, M. The regional world: territorial development in a global economy. New York: Guilford. 1996.
SWINGEDOUW, E. Neither global nor local: globalization and the politics of scale. In: COX, K. (Ed.), Spaces of globalization. New York: Guilford. 1997.
VELTZ, P. Mondialisation, villes et territoires. L’ Economie d’ Archipel Paris: PUF. 1996.
WILLIAMSON, O. Transaction cost economics and organization theory. In: SWEDBERG, R.;  MELSER,
N.J. (Eds.) The handbook of economic sociology. Princeton / New York: Princeton University Press/Russel Sage Foundation. 1994.


Fonte: http://seer.cgee.org.br/index.php/parcerias_estrategicas/article/viewFile/339/332

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Resenha: Um Futuro para a Amazônia

Gloria Maria Vargas
Professora Adjunta, Departamento de Geografia,
Universidade de Brasília
yoya@uol.com.br; yoya@unb.br


BECKER, Bertha e STENNER, Claudio. Um Futuro para a Amazônia. São Paulo: Oficina de Textos, 2008. Série “Inventando o futuro”. 150 p. ISBN 978-85-86238-77-2.

Incluído na série “Inventando o Futuro”, da Editora Oficina de Textos, Um Futuro para a Amazônia apresenta uma discussão substantiva sobre caminhos possíveis para o futuro da região amazônica. Resultado de mais de trinta anos de pesquisas na Amazônia, os pesquisadores Bertha Becker e o Claudio Stenner apresentam uma visão coesa e muito bem fundamentada das potencialidades da região, num contexto de globalização, rearranjos geopolíticos e novas valorações do espaço geográfico.
O livro está organizado em sete partes ou capítulos, articulados a partir da explicitação das potencialidades amazônicas como região única no contexto brasileiro, sul-americano e mundial. Cada capítulo apresenta um aspecto dessa potencialidade, exposto com independência argumentativa, respaldo empírico e fundado numa profunda compreensão geográfica e histórica da região.
A obra tem o mérito de oferecer ao mesmo tempo um enfoque geográfico e geopolítico da Amazônia e de transitar pelos campos da economia política e da história. Simultaneamente, esses campos do conhecimento dialogam a partir da realidade regional, sem que se perda o fio condutor nem a coerência interna da argumentação.
Da perspectiva da geografia, descreve e analisa com maestria o espaço amazônico, considerando os seus atributos naturais e o processo de formação do seu território, bem como a produção do seu espaço, sob as diferentes lógicas que atravessaram o território e a partir de diferentes escalas.
O capitulo de abertura expõe a formação da Amazônia, colocando um dos pontos centrais da argumentação dos autores: o fato de se ancorar na economia-mundo como categoria de análise. A região seria inicialmente a parte periférica da lógica que origina a economia de fronteira, alicerçada na relação sociedade-natureza. Essa dicotomia, que ainda perpassa a compreensão da região, postulava a inesgotabilidade dos recursos naturais, o que garantiria o seu crescimento perpétuo.  Essa fronteira, no entanto, é móvel e dinâmica, porque registra o deslocamento contínuo do povoamento e o processo de produção do espaço.
Mas, qual o papel da ciência, da tecnologia e da inovação nesse contexto?  Sempre foram centrais na expansão da economia mundo, no sistema capitalista e na descoberta e apropriação de novos nichos de valorização regional,  tais como terras e recursos naturais.  A inovação é constantemente estimulada para a construção de um novo ciclo de valorização.  Nesse sentido, a ciência, tecnologia e informação fazem parte da geopolítica do território na medida em que produzem informação-conhecimento, ações e perspectivas estratégicas para o controle e utilização do território.
Na expansão da economia mundo se explicita a lógica da configuração e reconfiguração do território amazônico em diferentes momentos históricos e da sua vulnerabilidade aos processos que transcendem as suas fronteiras. Dessa forma, apresentam-se, já no século XVII, as duas lógicas diferentes que a perpassam: a externa, que privilegia as relações com a metrópole, e a interna que ressalta as necessidades e potencialidades desde dentro, desde uma perspectiva endógena.
Na narrativa sobre a integração regional, descreve-se a importância do planejamento governamental para garantir o controle territorial e a possibilidade de intervenção na economia regional, não sem considerar os conflitos sócio-territoriais embuídaos no processo. Nesse contexto, a tecnologia territorial do Estado brasileiro é salientada, com os diferentes programas de desenvolvimento, os arranjos institucionais e a malha político administrativa que deram contexto operacional, político e logístico às ações governamentais ao longo do século XX.
O processo de urbanização da região, junto com o adensamento da conectividade estrutural do território, a organização da sociedade civil e a apropriação “desde dentro” da região são algumas mudanças estruturais pelas quais a Amazônia vem passando, como parte das suas dinâmicas contemporâneas, tendo CT&I como propulsores centrais. No entanto, os autores explicitam uma incógnita para a Amazônia na sua passagem para o século XXI: como superar a dicotomia desenvolvimento-conservação e traçar um futuro regional que lhe permita ser um heartland ecológico?
É um futuro que permita valorizar os recursos endógenos, levando em consideração a dinâmica da economia mundial e a expansão dos mercados para recursos como água, energia, alimentos, fármacos etc., e compatibilizar esse processo com a conservação da natureza e a inclusão social da população.
Essa pergunta é respondida nos capítulos seguintes, dedicados aos temas da biodiversidade, dos recursos hídricos, da conectividade e da urbanização da região, além do capítulo final, que discute diretamente qual é o futuro efetivamente possível para a região.
A imaginação geográfica é central a essa resposta, entendida como consciência espacial que reconhece, discerne e aceita as potencialidades e limitações regionais no delineamento das ações, pautada numa coerência ética e técnica. Nessa consciência espacial, a ciência e a tecnologia são de novo protagonistas já que, corroborando o argumento inicial do livro, têm sido e continuam sendo parte fundamental na modelagem do espaço geográfico amazônico.  Nesse processo, o conhecimento é valorizado, ao colocá-lo como núcleo centrípeto que, iluminando o presente, permite a imaginação fértil das possibilidades do futuro.
No bojo dessa imaginação geográfica se esboça o modelo espacial possível e desejado, o de uma floresta urbanizada, com cidades que sejam expressão do conhecimento regional, tanto tradicional quanto ou mais avant guarde em ciência e tecnologia, conectadas entre si, com o resto do Brasil e com a América do Sul. Essas cidades comandariam cadeias produtivas baseadas na biodiversidade regional e que não destruam a floresta.
Nesse sentido, confirma-se a necessidade de superar o pensamento dicotômico que emoldura toda ação amazônica na disjuntiva desenvolvimento – conservação, que tem polarizado as posições e as políticas públicas.
É nesse espírito de pensamento que se propõe produzir para conservar, isto é, ter consciência do valor econômico dos recursos amazônicos, como a madeira, a água, a biodiversidade etc. e criar as condições produtivas que garantam a conservação desses recursos concomitantemente ao seu uso sustentável.  Mais uma vez, ciência, tecnologia e inovação são protagonistas nesta empreitada. Precisa-se de um novo paradigma de CT&I para organizar a base produtiva sem destruir a natureza.  CT&I são, dessa forma, condições necessárias para viabilizar o desenvolvimento.  Só uma revolução tecnológica poderá utilizar os recursos da floresta em pé sem destruí-los.
Seria gerada assim uma economia da floresta baseada num novo paradigma tecnocientífico que perpasse todos os componentes de uma estratégia de desenvolvimento regional. Mas, para isso, é preciso ainda superar e resolver alguns problemas e dinâmicas presentes na região, como as desigualdades sociais e regionais e a questão fundiária. Na Amazônia perdura o problema estrutural da apropriação da terra em meio a intensos conflitos e violência. É necessário também enfrentar e resolver a carência logística regional e a má condição das redes de transporte, de serviços de informação/comunicação, de energia e armazenagem. São essas redes que garantem a conectividade do território e produzem uma malha territorial integradora.  Essa conectividade deve dar densidade às redes urbanas da floresta urbanizada. A estrutura reticular garante um padrão espacial e as funções territoriais que viabilizem o diálogo com as demandas sociais e com os imperativos econômicos, num contexto cambiante de globalização, sem destruir o meio ambiente.
Nesse contexto, antecipa-se a necessidade de que essa estrutura permita a conexão e integração regional com a América do Sul, num arcabouço multimodal de transporte e energia e baseado numa visão de integração aberta. Dessa maneira, é possível reduzir ao mínimo as barreiras internas ao comércio, e os gargalos na infraestrutura e nos sistemas de regulação que sustentam as atividades produtivas de escala continental. Da mesma forma, há que se considerar eixos de desenvolvimento que favoreçam o acesso a áreas de alto potencial produtivo, sem que se intensifiquem as dinâmicas perversas de desigualdade e depredação ambiental, velhas conhecidas do continente.
Num território complexo e diverso como a Amazônia, os autores explicitam o fato de que coexistem diferentes espaços-tempos. Há comunidades indígenas e grandes metrópoles coexistindo no espaço regional, diferentes graus e intensidades de conhecimento tradicional e científico, formas arcaicas e violentas de uso e apropriação dos espaços e dos recursos que vivem lado a lado com formas de alta produtividade - nem sempre por isso menos violentas -, inseridas numa malha político administrativa que insinua uma modernidade em mosaico, uma estrutura territorial com múltiplas caras e dimensões.
Essa estrutura territorial deve privilegiar os fluxos e a estrutura produtiva em forma de rede e deve permitir a interconexão entre os centros urbanos da floresta urbanizada e policêntrica, a partir dos quais se comande o processo de desenvolvimento e de subregionalização. Nessa subregioanlização, consideram-se as áreas de imperativa preservação, que correspondem às atuais unidades de conservação de proteção integral e as terras indígenas.  Mas, consideram-se também novas categorias, como as florestas produtivas baseadas no uso da biodiversidade, as florestas madeireiras, as regiões com potencialidade para projetos logísticos e minerais, e as áreas alteradas para reflorestamento e projetos agroindustriais.
No coração dessas propostas está o imperativo de uma revolução científico- tecnológica que permita concretizar o novo paradigma proposto, a partir da consciência espacial sobre a região. Esse paradigma integra o uso dos recursos num modelo não predatório, cuja lógica se concretiza na multifuncionalidade do espaço regional.  Esse modelo precisa de uma solidez institucional e política que permita a operacionalização coerente das ações nas diferentes frentes de políticas públicas.
O livro nos presenteia com uma visão bem informada da região amazônica, uma visão que contesta o mais recorrente dos seus mitos, a impossibilidade da concomitância natureza-desenvolvimento. Além disso, nos revela, efetivamente, o prometido no título: uma proposta de desenvolvimento articulada, inter-escalar e interdisciplinar para a Amazônia. A implementação dessa proposta vai depender da capacidade de articulação da sociedade regional e das diferentes instâncias de decisão, que deverão reconhecer que existe uma proposta realizável e à disposição para uma rica e instigante leitura.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Amazônia: Crise Mundial, Projetos Globais e Interesse Nacional

Estudo desenvolvido para CGEE - Centro de Gestão e Estudos Estratégicos


Bertha K. Becker

A Amazônia não é só uma questão regional – é também nacional, continental e global. Tem uma história e uma geografia diferente daquelas do Brasil após a colonização europeia. Foi e é uma fronteira-mundi, com processo de ocupação mais tardio e com maior abertura para o exterior do que o do Brasil. Faz parte de sua história o contato contínuo com os grandes avanços da ciência e da tecnologia que impulsionam a economia-mundo desde o século XV, mas avanço esse sempre servindo a interesses externos à região,que foi incorporada aos processos globais como periferia exportadora de recursos.
A partir da década de 1990, é o mercado mundial unificado e não mais o mercado doméstico que impulsiona a fronteira móvel em direção à Amazônia,que teve seu tempo acelerado e sua escala ampliada. Na primeira década do novo milênio a região consolida-se como grande produtora e exportadora de carne e soja, enquanto a destruição do cerrado e das florestas de transição e ombrófila aberta alcançou, respectivamente, 40% e 50%.
É preciso, portanto, sustar a continuidade do modelo baseado na economia de fronteira. O desenvolvimento e a integração efetiva da Amazônia no Estado Nação brasileiro requerem hoje conhecimento científico e tecnológico de ponta, mas com o olhar para ela direcionado. Essas condições são hoje possíveis graças à revolução científico-tecnológica que a partir dos anos 1970 valorizou duplamente a natureza amazônica – como capital natural e como condição de sobrevivência do planeta –, e criou possibilidades de lidar com esse fantástico patrimônio com novas formas de produção.
Mas se C&T/I tiveram acentuado seu poder nas decisões e ações sobre o planeta, num aparente paradoxo, frente à crescente velocidade e incerteza dos processos globais, a ciência não consegue mais acompanha-los on line.
Tal contexto incide na Amazônia numa complexidade que torna difícil discernir os projetos propostos para seu desenvolvimento, seus eventuais conflitos e parcerias. Mas a ciência pode e deve identificar com clareza os atuais projetos para a região – explícitos ou implícitos – para informar os movimentos sociais, a sociedade e a tomada de decisão de políticas públicas. A crise ambiental focada na mudança climática e a economia verde como solução para o problema e foco da Rio +20, são difundidas a velocidade tal que dificulta uma reflexão maior sobre o interesse nacional e regional na adoção desses modelos. Interesse nacional entendido com princípios para alcançar o bem-estar da nação. Acresce que não há como desvincular a crise ambiental da crise financeira que abala os países centrais.
Certamente há urgência em conter o desflorestamento na Amazônia e encontrar um caminho digno para o seu desenvolvimento e, certamente, também, há diversos modos de alcançar esse objetivo. A reflexão sobre proposições globais, portanto, se impõe.
O objetivo deste texto é justamente efetuar uma reflexão sobre os efeitos na Amazônia e o interesse nacional quanto a dois projetos globais: “desmatamento evitado” (REDD) e  “economia verde”. A primeira seção do texto discute criticamente o projeto de” desmatamento evitado” como um projeto preservacionista que propõe a preservação das florestas, mantendo-as em pé, mas improdutivas. Na segunda seção, procura-se entender o significado da economia verde – expressão que apresenta múltiplas definições – questionando-a do ponto de vista do interesse nacional. Uma terceira seção apresenta proposições de um novo padrão de desenvolvimento para a Amazônia capaz de manter as florestas em pé mas produtivas sem sua destruição maciça, em benefício de suas populações.


1.    REDD, Projeto Preservacionista : Floresta em Pé Improdutiva  

Após a Rio-92 dentre as convenções internacionais criadas para tentar contar a degradação do planeta ressaltou a da conservação da biodiversidade e, hoje, a ênfase é sobre a mudança climática. Preocupações com o clima e a biodiversidade se integram em torno da preservação das florestas tropicais. Projetos globais com essa finalidade foram elaborados para apresentação na
reunião sobre o clima realizada em Copenhagen (2009) no contexto da revisão do Protocolo de Quioto (1997) e vem sendo amplamente difundidos.
No extremo oposto do projeto da continuidade em derrubar a floresta e substituí-la por pastagens e lavouras, situam-se propostas globais de pagar para não desflorestar envolvendo a mercantilização do carbono.
A necessária pressa em conter o desflorestamento, não deve impedir uma avaliação cautelosa desse projeto extremamente sedutor pelo financiamento que oferece. Concebido há anos, tem tido uma extraordinária difusão e, no Brasil, crescente apoio de governadores e parte dos pesquisadores e empresários que pressionam o governo a seu favor, exigindo atenta análise para compreender e avaliar sua dimensão política.

1.1. A Outra Face da Globalização


Os projetos globais não são uma iniciativa nova e isolada do contexto histórico, como se poderia pensar. Essa iniciativa corresponde à outra face da globalização e dos avanços da ciência, inserindo-se no processo político que tenta organizar uma governança global – inclusive sobre o meio ambiente – acentuando a politização da natureza, bem como no processo econômico de mercantilização de novos elementos da natureza. O valor econômico desses elementos é patente no reconhecimento da natureza como capital natural (Daly & Farley 2000). Mas o processo social que gera e viabiliza esse valor é explicado por Polanyi (1944).
Em seu livro de The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time (1944), Karkl Polanyi assinalava a comercialização da terra, do trabalho e do dinheiro, inexistente no mercantilismo, como pré-condição da economia de mercado que emergiu no século XIX com a industrialização, subordinando a sociedade, de alguma forma, às suas exigências.
Acontece que trabalho, terra e dinheiro não são mercadorias e objetos produzidos para a venda no mercado. Trabalho é apenas um outro nome para a atividade humana que acompanha a própria vida, que não é produzida para a venda e não pode ser armazenada. Terra é apenas outro nome para a natureza, que não é produzida pelo homem. O dinheiro é apenas um símbolo do poder de compra e, como regra não é produzido, mas adquire vida através do mecanismo dos bancos e das financeiras.
Não obstante, foi com a ajuda do que o autor denominou de ficção que se organizaram os mercados reais de trabalho, terra e dinheiro. A ficção de que são produzidos para a venda, tornou-se o principio organizador da sociedade, alterando sua própria organização; todavia, para impedir que o mecanismo de mercado fosse o único dirigente do destino dos seres humanos e da natureza, criaram-se contramovimentos sociais, assim como medidas e políticas integradas do Estado em poderosas instituições para protegê-los, cerceando o mercado.
Desde o final do século passado dilata-se a esfera da mercadoria e novas mercadorias fictícias vem sendo criadas como é o caso da vida, do ar e da água (Becker, 2001, 2005 e 2009a). E uma novidade histórica emergiu no uso da natureza pelo homem. Há séculos os homens utilizam elementos da estrutura dos ecossistemas – estrutura que é o resultado de interações de elementos bióticos e abióticos – correspondentes às matérias primas; mas, hoje, tenta-se utilizar também as funções dos ecossistemas a que se atribui valor econômico denominadas de serviços ambientais ou ecossistêmicos.
É nesse contexto que se deve avaliar os projetos globais para as florestas tropicais visando atenuar o aquecimento global. O mais emblemático e difundido é o REDD – redução de emissões por desflorestamento e degradação. Há consenso de que deve ser desenvolvido em três fases considerando que a construção de uma metodologia para medir, relatar e verificar sua implementação deve avançar progressivamente. Na primeira fase, que demanda o desenvolvimento de uma estratégia nacional de REDD, o projeto terá contribuições voluntárias imediatamente disponíveis como aquelas administradas pelo Forest Carbon Partnership Facility do Banco Mundial, o REDD das Nações Unidas e outros arranjos bilaterais; a fase 2 corresponde à implementação de políticas e medidas propostas nas estratégias nacionais apoiadas por um fundo global baseado num instrumento legal de financiamento com compromisso, como por exemplo leilões de permissões; a fase 3 corresponde ao pagamento por performance medida através de indicadores de redução de emissões ou outros - como diminuição da área desmatada -, quantificados em relação a níveis de referência. Esse pagamento poderia ser financiado em grande escala através da venda de unidades de REDD em mercados oficiais globais ou mecanismos fora do mercado. Deve permitir a geração de créditos pelos resultados da continuidade de políticas e medidas iniciadas na fase 2 (Mozzer, 2009).
Mais recentemente passou a proposta a denominar-se REDD+ aliando-se a ações de conservação e manejo florestal. Proposta alternativa, mas sem a mesma difusão é o PINC, do Global Canopy Programme. O PINC se apresenta como um investimento pró-ativo em capital natural. Consiste em um sistema para premiar economicamente extensas áreas de florestas tropicais intactas que atuam como “global utilities” provendo vários serviços ambientais. Não está, portanto, relacionado à redução de emissões do carbono – ele busca atrair fundos diretamente para as florestas, que absorvem e estocam carbono, criam chuva, moderam condições do tempo e mantém a biodiversidade, benefícios dos quais usufruímos e não pagamos. E já que os serviços ambientais são bens públicos, a comunidade internacional deve pagar.
As propostas do PINC afirmam que o REDD apresenta o risco perverso de incentivar países com baixas taxas de desflorestamento a aumentá-las. Prevê também ajuda à construção de capacidades locais e às comunidades, mas acredita que de forma menos onerosa do que o REDD. Os pagamentos podem vir de fontes públicas ou privadas, ou da combinação das duas, direcionados, além das florestas nativas, para áreas protegidas, eco-certificação e seguro para áreas-tampão, como é o caso das margens do canal de Panamá, para conter eventuais invasões marinhas.

1.2. Questionamentos


Questionamentos políticos, econômicos e metodológico-científicos devem ser colocados sobretudo ao projeto REDD e REDD+, tal como a seguir apresentados (Becker, 2009):
1) Interesse nacional ou não, em incluir as florestas em pé nas transações econômicas. Como é do conhecimento de todos, o Brasil vem mantendo posição firme, desde o Protocolo de Quioto (1997), que inaugurou os esforços para regular os problemas do excesso de emissão de CO2. Baseado no princípio da responsabilidade comum mas diferenciada, argumenta o Brasil que os países industrializados têm responsabilidade histórica na poluição da atmosfera (em torno de 71% por ocasião de Quioto) e, portanto, cabe a eles aplicar metas para redução de emissões de carbono, mas não aos países periféricos, cujas emissões são mais recentes e menores. Esses últimos deveriam receber recursos de um fundo global para impedir que passassem a ampliar suas emissões. Foi com esse sentido que o Brasil propôs a criação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Protocolo de Quioto pelo qual os países centrais podem comprar créditos de carbono nos países periféricos que entram em sua contabilidade de emissão. Mas é necessário frisar um segundo ponto importante da posição brasileira: as florestas nativas, em pé, não podem ser incluídas no MDL, mas tão somente ações desflorestamento e de reflorestamento.
REDD e PINC, pelo contrario, oferecem pagamento para preservação das florestas em pé, nativas. A recusa do Brasil em incluir as florestas nativas explica-se pelo risco de ingerência externa, ou seja, de privatização das decisões sobre o uso de grandes extensões de terra, que corresponderia ao controle do território. Tampouco não há como conter o desmatamento no país com base apenas em financiamentos externos.

2) Incertezas científicas e metodológicas. É difícil mensurar a quantidade de carbono contida nas florestas e na vegetação em geral, e o custo do não desflorestamento e da não degradação tem que ser calculado localmente. Há, assim, o risco de dissociar os cálculos científicos do seqüestro do CO2 e as negociações destinadas a valorar o pagamento de SAs ou a atribuir créditos de carbono.
Estudos recentes do Instituto Nacional de pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil, revelam que o desmatamento da Amazônia brasileira contribui aproximadamente com 2,5% das emissões globais de GEEs responsáveis pelo aquecimento global segundo um cálculo preliminar. O volume de carbono é enorme, mas proporcionalmente menor do que os 5% das emissões globais que se imaginava. Tampouco é questionável a afirmativa de que o desmatamento acumulado no mundo produz 20% das emissões globais de GEEs; este é um dado superestimado pela Fundação das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que adota como média para o Brasil um desmatamento anual de 30 mil Km2, muito acima do real, em torno de 18.000Km2 nos últimos 20 anos. Não há base científica confiável para os 20%. Tais considerações não reduzem em nada a necessidade de estancar o desmatamento, mas diminuem, sim, o efeito que possam ter sobre a mudança climática na escala global. Essas são observações do Diretor do Observatório da Terra / INPE (Câmara, 2009).
Incertezas existem ainda quanto às próprias oscilações climáticas de longo termo que influem no tamanho da camada de ozônio (Becker, 2001; Aubertin et Damian, 2009).

3) REDD não é mecanismo de solução para o processo de desmatamento, e sim de compensação de emissões para os países centrais que podem tentar reduzir o montante de suas quotas mediante financiamentos de desmatamento evitado. Até a conferência de Bali (2007) o princípio de financiamento do carbono não estava em pauta. A partir daí, a questão da biodiversidade ligou-se à da mudança climática e passou a mobilizar numerosos grupos de pressão já ativos na Convenção sobre Biodiversidade, e a Convenção do Clima torna-se uma tribuna de reivindicações identitárias. O REDD apresenta-se em Bali como desenvolvendo uma abordagem política – não somente preocupado com as mudanças climáticas, mas igualmente com a pobreza e a conservação dos serviços ambientais. Consegue, assim, captar novas fontes de financiamento misturando fundos públicos a fundos privados, e apelando para o mercado do carbono e outros. Propõe-se a implantar inventários florestais e reforçar a capacitação local, o que seduz os provedores de fundos.
O REDD não é, portanto, um mecanismo que atue no processo de redução das emissões de carbono mas, no máximo, de prevenção das emissões mediante a abstenção voluntária de emiti-lo. E as políticas de estabilização das emissões não podem ser confundidas com as políticas de atenuação – podem ser consideradas como de compensação ou de sustentação da conservação (Aubertin et Damian, 2009).

4) Reduzir os serviços ambientais à emissões do carbono é uma valoração extremamente limitada do fantástico potencial de serviços propiciados pela floresta. E manter as florestas improdutivas implica no risco de reproduzir o secular padrão de ocupação da Amazônia baseado na exportação de recursos sem agregação de valor, a baixos preços, que quase nada deixaram na região. Desta feita, é o próprio ar que está em jogo, e novamente a baixos preços nos mercados já existentes de créditos de carbono: o mercado de Quioto, o oficial porém mais fraco deles, o de Chicago, e o da União Européia.

5) Outro importante questionamento ao REDD segundo o interesse da Amazônia e do Brasil, é quem vai receber e se beneficiar com o pagamento para evitar o desflorestamento – o governo federal, os governos estaduais e os grandes produtores estão cada um deles se considerando os merecedores. Trata-se da floresta como ativo financeiro, gerando grandes lucros para poucos atores. A experiência da Fundação Amazonas Sustentável (Estado do Amazonas) mostra que os benefícios vão para o setor financeiro – no caso o Bradesco e a cadeia de hotéis Merriot – um pouco para o governo do estado, enquanto as bolsas oferecidas às populações extrativistas para defender a floresta, não passam de R$ 30,00/ano!
O pagamento para não desflorestar implica em manter as florestas sim, mas improdutivas e impedindo a geração de riqueza, emprego e renda, o que mais necessitam as populações extrativistas. A escassez de emprego decentes é, aliás, a questão central da humanidade. A projeção do Banco Mundial para a população ativa da Terra em 2050, inclusive sub-emprego e desemprego, é de que ela passará de 2,9 bilhões para 4 bilhões, dos quais 90% localizados nos paises emergentes (Banco Mundial, 2007). Empregos que, certamente não serão providos pela economia de baixo carbono, “verdes”.

6) O problema do desflorestamento da Amazônia só será resolvido com um novo paradigma de desenvolvimento (Becker, 2004). E o da degradação do planeta somente com um novo regime de acumulação. Em vinte anos de negociações nas convenções sobre o clima e a biodiversidade, passou-se de uma questão do meio ambiente a uma questão de desenvolvimento sustentável, de justiça redistributiva entre Norte e Sul, de construção de um novo regime de crescimento econômico. A mudança de paradigma traduz-se hoje em termos de crescimento verde ou bioeconomia na luta contra a depressão econômica; passar de uma questão ambiental e de poluição ao horizonte de um novo regime de acumulação, a partir de um paradigma tecno-econômico mais verde, coloca-se como o desafio maior (Aubertin et Damian, 2009). E das próprias políticas climáticas passa-se à idéia que um desenvolvimento mais sustentável pode contribuir fortemente para a atenuação da mudança climática (IPCC, 2007:21).
Mas, a questão é complexa.Serão o meio ambiente e seus problemas   externalidades a serem incluídas no sistema econômico? Parece que o tratamento desses problemas  deve ter uma visão mais ampla, para envolver necessariamente as grandes estruturas da economia, bem como a sustentabilidade, a segurança e a prosperidade renovada.
Atribuir um preço ao carbono é necessário, mas não suficiente, da mesma forma que é insuficiente a análise econômica convencional. Requer-se uma economia política avançada. A internalização de uma externalidade negativa leva à modificação de um único preço, mas a luta contra a degradação do ambiente implica mudar os preços relativos do conjunto da economia, modificar as relações industriais e, portanto, as próprias estruturas econômicas. (Aubertin, C. e Damian, M. ,2009.).
Restrições a embarcar no REDD como panacéia para conter o desmatamento e reduzir o aquecimento global não significam, de forma alguma, deixar de lado a contenção não só do desmatamento atual, como futuro.
Há, portanto, que atuar no conjunto da economia, o que não é de modo algum trivial. O governo brasileiro, hoje, flexibilizou sua posição sem, contudo, alterar sua essência. Aceita negociar o REDD como um mecanismo auxiliar de financiamento, mas não como um mecanismo compensatório. Ou seja, os países desenvolvidos poderiam financiar projetos de conservação e até obter créditos de carbono, mas não utilizar esses créditos para compensar suas próprias emissões; seria uma saída fácil para os países desenvolvidos cumprirem suas metas sem precisar reduzir substancialmente suas próprias emissões. E no processo de negociação global o Brasil assumiu voluntariamente metas para redução da emissão de gases de efeito estufa entre 36,1 e 38,9% das emissões estimadas para 2020, compromisso que foi, finalmente, consolidado em lei (29/12/09).
O que parte da sociedade brasileira vem propondo é um esforço para mudar o padrão de desenvolvimento influindo nos processos responsáveis pelo desmatamento e não só imobilizando as florestas.


2. Economia Verde e Interesse Nacional

Na medida em que os conceitos são construções rigorosas do pensamento, a economia verde (EV) não é um conceito. Assim como o desenvolvimento sustentável, aliás. A expressão vem sendo utilizadas com diferentes definições ou sem definição, e mesmo nas publicações recentes das Nações Unidas que promovem a sua rápida difusão elas diferem, e se reconhece que não há uma definição única para o que denominam de conceito (UN, 2011).
Além das Nações Unidas, várias iniciativas internacionais têm realizado análises e proposições para enfrentar os desafios do meio ambiente e desenvolvimento. Nominando ou não a economia verde, esses documentos têm uma base comum cujos pontos principais valem ser destacados (UNEP, 2012; Blue Planet Prize laureates, 2012).

2.1. Economia Verde, Uma Incógnita ?

De acordo com um dos documentos das Nações Unidas (UNEP, Hacia una Economia Verde, 2011 ,os objetivos da EV seriam os mesmos do desenvolvimento sustentável :
“Não há uma definição única de economia verde mas, embora imprecisamente definida, há ampla concordância sobre a idéia básica a ela subjacente de que melhorar o crescimento econômico, o progresso social e a gestão ambiental podem ser objetivos estratégicos complementares e que possíveis conflitos entre eles no processo de sua realização podem ser superados”.
“Nesse sentido, o foco do conceito é plenamente consistente com o desenvolvimento sustentável elaborado pelas Nações Unidas, que percebe as dimensões econômica, social e ambiental como os três pilares do desenvolvimento e que frisa a importância de equidade intergeracional no desenvolvimento”.
Embora a EV não tenha um conceito claro, é crucial um esforço para sua compreensão e definição de modo a melhor se posicionar frente ao que ela propõe.
Reconhecem, as Nações Unidas e outras organizações e pesquisadores adeptos da EV, que o problema central é mudar o caminho atual de desenvolvimento por ser ele incapaz de conduzir a um mundo que se deseja que ambientalmente, socialmente e economicamente sustentável. Frente a sua emergência, é imperativa uma ação eficaz para construir um novo tipo de sociedade global.
Um mundo mais sustentável deve ser baseado na tríplice interdependência de fatores econômicos, sociais e ambientais, os famosos três pilares do desenvolvimento sustentável. Trata-se de promover crescimento econômico no quadro dos constrangimentos da sustentabilidade social e ambiental. Frisa-se o desafio para vários países de como gerir os recursos naturais de modo a contribuir para aliviar a pobreza mantendo o sistema ecológico de suporte à vida.
Os dois maiores problemas citados a serem solucionados são a mudança climática rumo a um aquecimento global, e a perda de biodiversidade Seus maiores motores são: a) demográfico, referente ao crescimento e envelhecimento da população mundial; b) crescimento econômico sem controle num planeta finito. Nesse sentido reconhece-se a séria limitação do PIB que não considera outras formas de capital – natural, humano, social e institucional/financeiro-, bem como a falha do sistema econômico em não internalizar externalidades ambientais e em não prevenir financiamentos para atividades com alta emissão de carbono; c) tecnologia, ressaltando a dependência à energia fóssil e o uso ineficiente de “end-use technologies”, que provocam grande concentração atmosférica de dióxido de carbono; d) sociopolítico, referente a problemas nos sistema de decisão governamentais, de negócios e da sociedade, exigindo mudança na governança com ações em várias escalas evitando, inclusive, a tendência à formação de plutocracias corporativas, como as do petróleo; e) cultural/religioso, que influi na desigualdade de acesso a alimentos e outros recursos através de escolhas de atividades e de produção será necessários o redesenho do sistema econômico, uma revolução tecnológica e a mudança comportamental.
A economia mundial, dizem, tem o risco de prolongado declínio em consequência das crises econômico-financeiras dos últimos anos. O crescimento com baixo carbono é considerado a única base sólida para uma recuperação sustentável. A forte redução das emissões necessária exige uma nova revolução industrial, rumo à eliminação dos combustíveis fósseis, para o que são necessárias combinações de recursos energéticos end-use e tecnologias de suprimento que possam enfrentar simultaneamente os múltiplos desafios da sustentabilidade. Tais combinações tem em comum duas feições: i) melhoria radical na eficiência energética end-use e ii) deslocamentos significantes para sistemas de suprimento de energia com ênfase em energia renováveis e em sistemas avançados de combustíveis fósseis com captura e estocagem de carbono (CCS) já existentes em projetos pilotos através do mundo, embora com custo elevado.
Vale registrar que tecnologias para energia eficiente e para energia renováveis serão poderosas competidoras. Acresce que a transição para uma economia de baixo carbono é muito lucrativa, razão pela qual a liderança sobre a questão climática está mudando das negociações internacionais para firmas, governos nacionais e subnacionais, e sociedade civil.
Quanto á perda de biodiversidade e degradação dos serviços ambientais sugere-se que poderão ser sustadas com planejamento integrado baseado em dados adequados, rede de áreas protegidas bem gerida, melhor conhecimento científico e tecnológico da conservação de áreas agrícolas, mapeamento e avaliação de serviços ecossistêmicos. È considerada essencial a transformação nos setores público e privado para atribuir valor ao capital natural no desenvolvimento econômico, incorporando às contas nacionais, os benefícios e custos da conservação dos ecossistemas que devem ser divididos de modo equitativo. A biodiversidade e os serviços ecossistêmicos precisam ser entendidos como os mais fundamentais componentes do desenvolvimento econômico verde, cujos serviços exportados e importados devem ser incluídos num sistema de contas da riqueza.
O último documento das Nações Unidas(UNEP, 02/2012)apresenta o resultado de uma pesquisa realizada por 20 cientistas e com a contribuição de mais 400 obtida eletronicamente,sobre as 21 questões ambientais emergentes no século XXI.Encabeçaram os cinco primeiros lugares da lista : 1)Alinhando a governança para os desafios da sustentabilidade global; 2)Transformando as capacidades humanas para o século XXI ( para mover rumo á EV) ; 3)Novos desafios para assegurar segurança alimentar  a 9 milhões de pessoas ; 4)Reconectando ciência e política ; 5)Limiares sociais? ( necessidade de rápida e transformadora mudança no comportamento humano em relação ao meio ambiente.
Em síntese, tais proposições serão trazidas à Rio+20 pelos países desenvolvidos.Cabe efetuar  sua análise e uma profunda reflexão a respeito  segundo os interesses nacionais dos Estados Nação.


2.2. Questionamentos Frente ao Interesse Nacional [1]
A economia verde, ou seja o mercado e a governança global aparecem como essenciais nos diversos documentos. Vale registrar que o Brasil é contra um organismo global para gerir o meio ambiente. Os problemas apontados são basicamente os mesmos,  NÂO se citando o papel do sistema econômico vigente nesses problemas. E a ciência é convocada a dar soluções.

Em nosso entender a EV pretende ser um paradigma econômico para abrir novas frentes de investimento necessárias à superação das crises econômico-financeira e ambiental do sistema capitalista - sobretudo da Europa - e à garantia de sua expansão mediante ganhos de escala e de lucro no curto prazo. Trata-se de aprofundamento do processo de mercantilização,melhor dito de financeirização, envolvendo agora o capital natural bem como os equipamentos urbanos necessários á reprodução social. E vale a pena lembrar que as extensões restantes de capital natural estão localizadas em países periféricos, ou em desenvolvimento.
 A preocupação com a expansão do consumo decorrente do crescimento dos países em desenvolvimento parece ser tambem um elemento a preocupar os países ricos na emergência do novo paradigma, assim como o foi na proposição do Desenvolvimento Sustentável (DS).
Grosso modo, o cerne da EV consiste na redução do consumo de energia e de matéria prima por unidade de produto e na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEEs), sobretudo o carbono (CO2), para o que, verdadeira revolução tecnológica é necessária.
À tal conceituação, estabelecida a partir de várias propostas, estão associados vários processos. Do ponto de vista do Brasil, do interesse nacional , pelo menos duas facetas – de oportunidade e de risco – devem ser frisadas.
 Por um lado, a oportunidade de uma salutar orientação da economia para redução do desperdício no uso de recursos, desperdício que é uma problemática perversa constante na história do país. A EV, ao valorizar o capital natural, oferece a oportunidade para implementar um novo modo de utilização do território e do patrimônio natural nele contido, que constitui grande potencial de desenvolvimento. As grandes inovações tecnológicas no Brasil tem estado associadas à valorização do capital natural como, por exemplo, o aproveitamento do cerrado na década de 1970, a exploração do petróleo em águas profundas e a transformação da cana de açúcar em etanol. Tais avanços indicam que no caminho de desenvolvimento do país, a economia do conhecimento da natureza, tem um papel central, podendo lhe atribuir uma vantagem competitiva no contexto global, sem excluir outras iniciativas.
Por outro lado, a descarbonização da economia, certamente desejável, pode apresentar riscos para países como Brasil quando adotada acelerada e indiscriminada, porque depende de tecnologias avançadas que requerem recursos técnicos e financeiros só disponíveis atualmente nos países mais ricos e que, ademais, não podem ser aplicadas a todos os setores da economia.
A mercantilização dos elementos da natureza é feita sob uma promessa encoberta de que a transição para uma economia de baixo carbono acabaria com a pobreza dos países em desenvolvimento. Na verdade, essa transição exige investimentos para geração e difusão de tecnologias mais limpas que tendem a ser cada vez mais complexas e que estão fortemente concentradas em países desenvolvidos e cuja transferência acarretará a acumulação de onerosas dívidas para os países em desenvolvimento. Ou seja, não haverá redução das desigualdades.
A transferência de tecnologia é de fato um ponto sensível. Apesar de continuamente reiterada em acordos internacionais, na verdade, raramente é concretizada. Pode facilmente se transformar apenas numa oportunidade de negócios para países produtores de tecnologias ecoeficientes. Além disso, no caso do Brasil, não se trata mais apenas de investir nessa transferência, mas sim, sobretudo, de promover a inovação tecnológica.
Novas tecnologias são cruciais para aproveitar sem desperdício os recursos naturais e para solucionar problemas sociais como, por exemplo, acesso aos serviços ecossistêmicos, aos equipamentos urbanos, entre outros, e reduzir desigualdades regionais. Inovação tecnológica para aprimorar e/ou recuperar componentes já existentes, porém mal cuidados da economia nacional como, por exemplo, tornar mais limpa sua abundante energia fóssil, o petróleo.
A inovação tecnológica é, assim, crucial para a melhoria das condições de vida dos países em desenvolvimento, tirando partido das janelas de oportunidade que se oferecem e das respectivas bases de recursos. Tornar verde a economia convencional não parece poder contribuir para alterar a divisão internacional do trabalho, em que o “Sul’ permanece rural, no máximo com indústrias em locais da Ásia, enquanto o “Norte” permanece com o domínio da revolução tecnológica. É digna de nota a omissão de C/T na publicação do PNUMA (2011), justamente numa síntese para os formuladores de políticas.
Resulta, assim, que sob a enxurrada de publicações difundidas em larga escala pelos diferentes organismos das Nações Unidas sobre as múltiplas dimensões da EV, é imperioso considerar a diversidade dos Estados Nação – ainda dominantes como unidades políticas no planeta –, seus respectivos interesses e estratégias nacionais decorrentes, para que não leve os países emergentes (e outros) a uma dependência tecnológica associada a um forte endividamento.
Parece claro que as estratégias do “Norte” são coincidentes com as das Nações Unidas. No mais, são claras as posições diferentes da Índia e da China. A Índia tem-se feito ouvir sendo, talvez, a responsável pela introdução da “erradicação da pobreza” no novo paradigma, e clama pela necessidade de relativizar proposições da EV frente à essa necessidade. Por exemplo, relatórios da UN, não consideram a escala de infraestrutura necessária para a erradicação da pobreza e o fato de que um bilhão de pobres não tem acesso à energia moderna, ou seja, não trata a dimensão social adequadamente nem tampouco a perspectiva dos países em desenvolvimento que são justamente aqueles em que o crescimento será maior. A Índia coloca ainda a questão central da mudança dos padrões de produção e consumo sem a qual, nada de novo acontecerá. Advoga que segundo a perspectiva dos países em desenvolvimento o desafio reside em conceber estratégias nacionais para o desenvolvimento da infraestrutura de erradicação da pobreza que também se oriente para uma economia e uma sociedade de baixo carbono , e não para os atuais focos estreitos em mitigação, adaptação e divisão da carga ecológica (Sanwal, M. 2010).
Quanto à China, seu caminho singular de crescimento tem um impacto transformativo modelando um novo paradigma focalizado em padrões de uso de recursos que, em princípio, podem ser adotados por todos os países (Sanwal, op. cit.). Há, contudo, que lembrar um outro fator chave para o crescimento verde na China: a tecnologia da informação e comunicação (TIC), que torna a infraestrutura mais eficiente, é subjacente às tecnologias para usar as energias renováveis,e serve para viajar menos se comunicando mais, e para reduzir a pegada ecológica (Zadek, S. 2011).
Tendências da economia contemporânea corroboram tal preocupação e a importância das estratégias nacionais (Belluzzo, 2011). No passado recente, saíram-se bem os países que souberam atrelar seus projetos nacionais de desenvolvimento à nova configuração da economia mundial proposta pelas multinacionais. Hoje, a concorrência capitalista revela a intensificação da rivalidade entre grandes empresas estimulada pela expansão do crédito e pela mobilidade do capital financeiro. “As novas formas de concorrência, apresentadas como benéficas à liberdade do comércio e à difusão do progresso técnico, escondem, na verdade, o contrário: um aumento brutal da centralização do capital, da concentração da riqueza e do progresso técnico...não se vive um mundo bem comportado de vantagens comparativas, mas sim num ambiente global em que prevalecem as economias de escala e de escopo, as externalidades positivas sendo criadas pelas políticas governamentais” (grifo nosso).
Cabe, assim, elaborar uma estratégia brasileira para enfrentar a mudança necessária nos padrões de produção e consumo, inclusive considerando as desigualdades sociais e regionais.


3.    Um Caminho Para o Desenvolvimento da Amazônia: Floresta em Pé Produtiva

Para a Amazônia, a questão que se coloca é: poderá a EV gerar um novo padrão de desenvolvimento para a região que, em termos de Amazônia Legal corresponde, convém lembrar, à metade do território nacional?
Deseja-se reiterar aqui, a importância de considerar as diferenças e de reduzir as desigualdades socioeconômicas e políticas.
Um pequeníssimo parágrafo apenas, no relatório do PNUMA, refere-se ao fato de que a transição para a EV será muito diferente para cada país. E, no entanto, as diferenças são reais, o que indica a necessidade de um desenvolvimento tecnológico com características de vocações próprias, e a não imposição de um padrão tecnológico único.
            O mesmo se aplica ao contexto nacional, em que congestionamentos decorrentes de excessos contrastam com fortes carências. Vale comentar, por exemplo, que para uma economia verde o transporte rodoviário de carga é um dos maiores vilões pelas emissões de gases de efeito estufa que emite. No caso do Brasil, contudo, trata-se de uma problemática da região Centro-Sul, para onde convergem as redes rodoviárias, pois que grande parte do território nacional carece de infraestrutura ( Fig 1)

Figura 1. Brasil: Logística dos Transportes – 2006.

Coloca-se, portanto, o desafio de equipar regiões e cidades com urgência e com formas mais adequadas das que vem sendo utilizadas até agora.
Nesse sentido, a contribuição da diversidade regional pode ser imensa para o desenvolvimento nacional sustentável, na medida em que as regiões oferecem diferentes recursos naturais que devem gerar combustíveis, materiais e modos de construção e gestão diferenciados. É o que parece estar fazendo a China quando estabelece metas compulsórias de redução de intensidade de energia para as províncias de acordo com o tipo de economia de cada província (Abranches, 2011).
Os zoneamentos ecológico-econômicos que vem sendo realizado nos estados brasileiros constituem importante fonte de informação para o planejamento do seu desenvolvimento.
A Amazônia Legal, correspondendo a mais da metade do território brasileiro, apresenta várias oportunidades para implementar um novo caminho de desenvolvimento (Becker, 2011), algumas das quais são apontadas a seguir.
São bem conhecidos os benefícios providos pelas florestas. Assim, sustar o desflorestamento é o desafio básico nas áreas florestais, para que se possa utilizar seus recursos sem destruí-los maciçamente como vem sendo feito. Cumpre estratégias diferenciadas para defesa do coração florestal, a extensa área de floresta densa ainda relativamente conservada, e para as áreas de floresta aberta já destruída em 50%. Por sua vez, no Cerrado, cresce uma importante produção de alimentos, mas sem agregação de valor, com uma pecuária ainda dependente de matrizes externas e cujas práticas extensivas vem derrubando a cobertura vegetal.
O cenário bussiness as usual, portanto, está muito aquém do que se espera em uma economia verde. O cenário desejado é conceber e implementar um novo modelo de desenvolvimento capaz de utilizar os recursos de modo sustentável para gerar renda e emprego para a população e riqueza para a região e para o país:
a) Nas florestas – valorizar a floresta em pé, valorizar os serviços ambientais, inovar em indústrias para aproveitamento de produtos do extrativismo não madeireiro (fármacos, alimentos, cosméticos) e madeireiro, este oferecendo o substrato para a construção civil nas cidades, alimentando uma indústria avançada até a produção de etanol pela celulose. A biomassa proveniente dos resíduos da produção – seja de não madeireiros ou de madeireiros – deve ser uma fonte de energia dada pela natureza. O aproveitamento múltiplo da água deve responder pelo transporte, pelo abastecimento humano, pela pesca e pela energia;
b) No cerrado – dar um passo adiante transformando o agronegócio em efetivo complexo agroindustrial, elevar a produtividade da pecuária, restaurar a vegetação e apoiar os pequenos produtores são objetivos importantes para o cenário desejado.
Um segundo quesito fundamental a ser considerado na Amazônia é a multimodalidade, que significa reduzir custos e crescer em eficiência, velocidade e adequação ambiental. Para tanto, três redes são básicas: a fluvial, a aérea e a de informação (Becker e Stenner, 2008). Pequenos trechos de ferrovia e mesmo de rodovia podem ser necessários. Exemplo é o caso da BR-319, retomada da rodovia que liga Porto Velho a Manaus, que em nada se justifica. É possível utilizar o trecho já aberto de Porto Velho até as barrancas do rio e a partir daí utilizar o transporte fluvial, gerando inclusive oportunidade para um ponto turístico na região. Implica em investimentos em tecnologia na área de engenharia naval, envolvendo a Marinha brasileira, cuja frota está bastante obsoleta, na diversificação e ampliação da malha aérea, tendo em vista também as conexões com os demais países amazônicos e investimentos na capilaridade, isto é, na extensão da conectividade para além dos grandes eixos para levar em conta também o mercado interno, uma “logística do pequeno”. Terminais multimodais são indispensáveis.
Finalmente, mas não menos importante, não há como promover um desenvolvimento digno da Amazônia sem cuidar de suas cidades. Equipa-las para exercer sua função de lugares centrais, prestadores de serviços para  consumo de seus habitantes e os de seus entôrnos, é uma parte apenas do problema. Criar as conexões entre elas de modo a inseri-las em redes , abrigando atividades complementares de produção e serviços para produtores, é condição sine qua non par alcançar esse desenvolvimento.
Desafios tecnológicos a enfrentar na região não podem ser esquecidos. Alguns podem ser lembrados : :
a) Nas florestas: tornar os rios navegáveis para que sejam o cerne da circulação na região, e renovar a frota civil e militar; inovar na hidroeletricidade e só construir hidrelétricas se associadas a um planejamento desde o início de sua concepção e complementar a produção de energia com novas fontes; desenvolver tecnologias para processamento de produtos não madeireiros e madeireiros, para tratamento e gestão de resíduos, produção de biomassa; construção civil; organizar cadeias produtivas; valorizar os serviços ecossistêmicos; criar cidades dinâmicas.
b) No Cerrado – tecnologias para produção de matrizes para processamento industrial, armazenagem, enfim logística –, e tecnologias que permitam a coexistência ambientalmente adequada da agropecuária, bioenergia e reflorestamento.
As florestas constituem um segmento econômico com um dos mais baixos custos para a redução de emissões de GEES, e a redução nas taxas de desmatamento pode ser obtida em tempo relativamente curto, o que somado aos benefícios que oferece. Segundo alguns, por essa razão é o (ou um) setor prioritário para receber investimentos relacionados com a economia verde (Viana, V. 2011). Tendo em vista que a utilização do potencial de petróleo e gás geraria quase o dobro de emissão do desmatamento previsto para 2050, sugere-se uma alternativa para reduzir as emissões seria a compensação das emissões de carbono oriundas do petróleo em atividades de conservação e manejo florestal (Viana, V. 2011). Contanto que esses recursos sejam utilizados para a inovação tecnológica nas atividades produtivas, dever-se-ia acrescentar.
Quanto ao Cerrado, trata-se de tirar partido do potencial agropecuário com um grande esforço de inovação tecnológica. No mundo, o setor agropecuário é tido como aquele no qual as forças de mercado são o determinante principal da mudança técnica, sendo comum inovações introduzidas por grupos de pressão ou produtores rurais. A indução rumo à inovações deve ser perseguida pelo Estado.
Para tanto, impõe-se a renovação do quadro institucional.Sugerem-se como  novos arranjos produtivos institucionais  :
 i) Instituto do Coração Florestal, agregando instituições que contribuam para fortalecer um pensamento estratégico amazônico, até hoje não existente;
ii) Parques Tecnológicos, reunindo instituições que pesquisem a biodiversidade e efetuem sua aplicação, um na floresta outro no cerrado;
 iii) Madeiramazon, arranjo destinado a organizar a cadeia de produção da madeira.
É viável, inclusive, pensar no interesse e viabilidade de implantar esses arranjos em nível da Amazônia Sul-Americana.


Bibliografia consultada:
Abranches, S. – 20/09/2011 – China no caminho da economia verde? http://envolverde.com.br/
Aubertin,C et  Damian, M – 2009 De La protection de l’environment a  um noveaux modele de croissance.La Documentation Française, Paris
Becker, B. K. 2005. Amazônia: Desenvolvimento e Soberania, In: Brasil, o estado de uma nação. Ed. Rezende, F. e Tafner, P. IPEA: Rio de Janeiro, p. 199-249..
Becker, B. K. 2009. Articulando o complexo urbano e o complexo verde na Amazônia. In: Becker, B. K; Costa, F. A; Costa, W. M.. (Org.). Um projeto para a Amazônia no século 21: desafios e contribuições. 1 ed. Brasília, DF: CGEE, v. 1, p. 39-86.
Becker, B. K. – 2011. Entrevista: Economia Verde. CGEE: Brasília.
Becker, B. K. e Stenner, C. – 2008. Um futuro para a Amazônia. Oficina de Textos: São Paulo.
Beluzzo, L. G. – 14/10/2011 – Estratégias Nacionais. http://envolverde.com.br/
Costa, S. – 20/09/2011 – Entrevista ao Portal ecodesenvolvimento.org
Marcondes, D. – 04/10/2011. Um modelo para a Amazônia. http://envolverde.com.br/
PNUMA. 2011. Hacia una economia verde. Guia El desarrollo sostenible y La erradicacion de La pobreza. Sintesis para los encargados de la formulacion de políticas.
Sanwal, M. 2010. Vision For Rio+20. Xerox.
The Blue Planet Prize laureates -2012 –Environment and Development Challenges: the Imperative to Act.The Asahi Glass Foundation,London
Unep,2012 - 21 Issues for the 21st Century, Results of the Unep Forsight Process on Emerging Environmental Issues. Alcamo,J., Leonard S.A.(eds.), Unep, Nairobi, Kenya,56 p.
United Nations. 2011. World Economic Survey. The Great Green Technological Transformation. UN: New York.
Viana, V. – 05/09/2011 – Relacionando o petróleo com a economia verde. Portal brasilagro.com.br.
Zadek, S. 2011. Green growth invisible ingredient. China Dialogue, 15 de março.
Young, C. E . 2011. Potencial de crescimento da economia verde no Brasil. Política Ambiental, nº 8, junho de 2011, Conservação Internacional: Belo Horizonte.









[1] Parte desta seção encontra-se em trabalho do CGEE, divulgação interna.