domingo, 17 de março de 2013

Uma Revolução Beckeriana para a biodiversidade brasileira

Texto retirado do Jornal da Ciência (http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=86188)

 
Artigo de Charles R. Clement1, Juliana Lins1,André B. Junqueira1,2, Ana Catarina C. Jakovac1,2, Tiara S. Cabral1, Carolina Levis1, Alessandro Alves-Pereira1,3, Ima Célia Guimarães Vieira4

A biodiversidade amazônica está sendo destruída porque não tem suficiente valor econômico para os amazônidas, os brasileiros ou o mundo. Em um primeiro momento a afirmação pode parecer estranha, pois a biodiversidade é considerada um dos principais recursos naturais da Amazônia e o conhecimento tradicional associado a ela é considerado a chave de acesso a seu uso. Por que então a biodiversidade não teria valor suficiente?

Ao longo dos últimos 11 mil anos, os povos indígenas da Amazônia dedicaram inteligência e esforço em identificar os possíveis usos depelo menos 3500 espécies de plantas (recursos biológicos) e, para as 100 espécies mais úteis, investiram na sua seleção, propagação, manejo e cultivo, criando recursos genéticos durante o processo de domesticação. O ritmo de investimento indígenafoi reduzido drasticamente ao longo dos últimos 500 anos, quando os povos indígenas foram dizimados e colonizados. Os ribeirinhos continuam a investir em alguns desses recursos biogenéticos, embora em ritmo menor.

Hoje, a soja e a pecuária estão expandindo suas presenças na Amazônia, tanto sobre áreas já desmatadas quanto sobre áreas florestadas. Por que a tão falada biodiversidade da Amazônia não está expandindo a sua presença nos mercados? A razão é simples: não houve suficiente investimento em Ciência &Tecnologia e Pesquisa&Desenvolvimento&Inovação ao longo das últimas décadas para desenvolver as cadeias de produção dos recursos biogenéticos da Amazônia, diferente do que ocorreu com a soja, por exemplo. Estase tornouum sucesso porque o desenvolvimento de tecnologias esteve diretamente atrelado à produção e porque existe demanda no mercado globalizado. Para os recursos biogenéticos da Amazônia essa demanda não existe porque não houve investimentos para prepará-losao mercado. O ciclo do descaso é simples e irrefutável.

No entanto, existem dezenas de exemplos de sucesso no uso racional da biodiversidade, quase sempre em pequena escala e sempre onde existe uma organização social que desenvolve uma ligação com o mercado. As principais razões do sucesso limitado são a falta de qualidade e uniformidade do recurso e a dificuldade de acesso a quantidades razoáveis. Qualidade e uniformidade são características que podem ser resolvidas via melhoramento genético, enquanto que quantidades podem ser obtidas via tecnologias de produção adequadas às realidades locais e com o desenvolvimento de cadeias de comercialização com auxílio das instituições locais e estaduais. Quando existe a sinergia entre organização social e o mercado, estes fatores são resolvidos localmente. O Brasil possui competência em ambas as tarefas (melhoramento e comercialização) em nível nacional, mas esta competência não está sendo dirigida à biodiversidade, mas sim aos agronegócios rentáveis.

Com o avanço da soja, da pecuária e do setor madeireiro na Amazônia, a biodiversidade está cada vez mais ameaçada. Considerando que sempre existirá um intervalo entre o início de um esforço de P&D&I e o aumento de demanda no mercado, é imprescindível que o Brasil invista na sua biodiversidade agora, sob risco de não aproveitar as oportunidades que esta oferece e de vê-la desaparecer. Hoje o Brasil possui um conjunto de fatores que permitiriam uma verdadeira revolução científica enfocada na biodiversidade nacional, especialmente na amazônica:

1.Uma crescente atenção e valorização dos produtos provindos da Amazônia, dentro e fora do país;

2. Um crescente número de organizações sociais buscando participação nas economiaslocais e nacional;

3. Um conjunto importante de instituições federais, estaduais e privadas de C&T e P&D&I na Amazônia;

4. Um contingente grande de recém-doutorese outros profissionais de nível superior sem opções formais de emprego imediato;

5. Uma filosofia federal de descentralização dos recursos federais para C&T e P&D&I via um contingente crescente de Fundações de Amparo à Pesquisa;
6. Competência para investir em P&D&I de forma eficiente.

A professora emérita da UFRJ, Bertha Becker, é uma das principais pensadoras brasileiras sobre a realidade amazônica e nacional. Podemos dizer que sua geografia política permite apresentar a Amazônia com toda a sua complexidade e como uma região reveladora de desafios enormes na análise da territorialidade e gestão do território. E mais do que isso: permite perceber o papel estratégico (e as limitações) do Estado brasileiro em engendrar um novo modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

Becker tem obtido sucesso em convencer diversos setores da ciência brasileira como a Academia Brasileira de Ciências-ABC, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC e o próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação-MCTI sobre a importância da C&T e da PD&I para o desenvolvimento da região.Tanto foram eficazes os seus esforços que estas instituições, junto com as Fundações de Amparo à Pesquisa, estão traçando um plano de ação e investimentos em ciência para a região. O delineamento até agora visível é promissor, mas requer mais - "uma verdadeira revolução científica enfocada na biodiversidade nacional, e em especial na biodiversidade da Amazônia", como ela sempre afirmou. Uma revolução é necessária não somente para aumentar investimentos, mas para revolucionar pensamentos, objetivos, métodos e consequências.

Segundo defende, os objetivos da revolução devem incluir a valoração da floresta em pé, a conservação do coração da floresta na Amazônia Ocidental e, acima de tudo, provocar um bem-estar crescente para os amazônidas e os recém-chegados à região. Estes três objetivos requerem mais do que C&T e PD&I, requerem educação de qualidade para toda a população brasileira e, especialmente, a amazônica.

Uma Revolução Beckeriana deveria incluir alguns objetivos adicionais aos anteriormente mencionados:

1. Identificar demandas de mercado para os recursos biogenéticos já conhecidos das populações tradicionais e,concomitantemente, identificar demandas destas populações;

2. Domesticar de forma participativa os recursos biogenéticos a fim de aumentar a uniformidade, a qualidade e a quantidade dos produtos destinados ao mercado;

3. Desenvolver produtos e processos capazes de agregar valor nas regiões de origem dos recursos;

4. Reduzir o número de intermediadores entre as comunidades e os mercados;

5. Fomentar a interação entre as empresas de pequeno e médio porte e comunidades do interior para desenvolver cadeias de produção e comercialização eficientes e socialmente justas.

Para maximizar o impacto dessa Revolução Beckeriana,a curto prazo, alguns pressupostos devem ser respeitados:

1. A escolha dos recursos biogenéticos a receberem investimentos deveria ser feita de comum acordo entre as comunidades locais, as organizações sociais (especialmente ONGs e Sindicatos de Trabalhadores Rurais), as micro, pequenas e médias empresas, e as instituições de P&D&I da região.
2. Novos recursos biogenéticos sempre possuirão pequenos nichos de mercado e o esforço de desenvolvê-los deveria ser proporcional. Ou seja, embora cada recurso deva receber atenção, isso não deve ser via um grande complexo burocrático. A revolução poderá ser traçada nacionalmente e de forma transdisciplinar, mas deverá ser executada localmente via FAPs e instituições regionais, e sempre via projetos desenhados para atender recursos biogenéticos e comunidades específicos.

3. O contingente de recém-doutores desempregados deve ser chamado a colaborar na revolução via bolsas (com enxoval) vinculadas a acordos entre organizações da sociedade civil e instituições de P&D&I e de extensão rural que atuam na região. Cada recém-doutor pode trabalhar com um ou dois técnicos agrícolas ou recém-graduados moradores da região.Esses profissionais devem estar preparados para viver e atuar no interior durante a vigência da bolsa (que deveria ser de pelo menos três anos, renovável por mais três). A revolução não terá sedes próprias, mas ficar sediada nas organizações sociais das comunidades, que devem ser estimuladas a criar empreendimentos locais.

4. Não apenas a domesticação participativa será importante, mas certos produtos necessitarão de esforços mais direcionados ao seu beneficiamento. Esforços para incubar novos produtos e processos e até novas empresas deveriam ser uma prioridade das instituições que desejam participar da Revolução Beckeriana.

5. A Revolução Beckeriana proposta precisa começar com investimentos massivos dos governos federal e estaduais, via Fundos Setoriais, orçamentos ministeriais e FAPs, mas os governos e instituições precisam estar preparados para gerenciar também investimentos externos ao mesmo tempo em que protege os direitos à propriedade intelectual das comunidades locais.

Um outro mundo é possível, com a renovação do quadro institucional de C&T que a professora Bertha Becker propõe. Como chegar lá requer uma sequência de decisões sobre investimentos em educação, ciência e extensão, que juntos criam desenvolvimento inclusivo.
Esperamos que estas ideias "beckerianas" possam contribuir com o plano desenhado atualmente para a Amazônia, pois oferece mecanismos de incluir os amazônidas como atores centrais e revolucionar a ciência que aqui é praticada, rumo a um novo padrão de desenvolvimento.

Texto produzido por um grupo de pesquisadores, liderado pelo Dr Charles Clement:

1 Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia-INPA, Manaus, AM; 2University of Wageningen; 3 ESALQ - USP, Piracicaba, SP; Museu Paraense Emilio Goeldi-MPEG, Belém, PA

segunda-feira, 11 de março de 2013

Texto de Ima Vieira para o II Simpósio Relações entre Ciência e Políticas Públicas

Caros pesquisadores e participantes do II Simpósio,
Ao final dos trabalhos, vocês já devem estar muito cansados. Gostaria apenas de apresentar a
nossa intenção em continuar a discutir as contribuições científicas de Bertha Becker e seus
impactos nas Políticas Públicas que vêm sendo formuladas para a Amazônia.
“Na relação entre cientista e a política, importa discutir a sua contribuição científica, a sua
transformação em protocolo de ação e a sua absorção como fundamento de praxis que movem
a sociedade e fazem a história”. Com essas palavras, o prof. Da UFPa, Francisco de Assis Costa,
abriu a sua palestra no I Simpósio e evidenciou o desafio que temos em discutir as inúmeras
contribuições de Bertha para a Amazônia e o Brasil. Minimamente podemos dizer que sua
geografia política permite apresentar a Amazônia com toda a sua complexidade e reveladora
de desafios enormes na análise da territorialidade e gestão do território; e mais do que isso,
permite perceber o papel estratégico (e limitações) do Estado brasileiro em engendrar um
novo modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.
A partir das trocas de idéias com Bertha e com alguns amigos a partir de junho deste ano,
logo após a Rio+20, eu decidi levar a cabo uma série de discussões dentro do INCT
Biodiversidade e Uso da Terra que coordeno, sobre a obra da Profa. Bertha e o impacto de
suas proposições inseridas em diversas políticas públicas para a Amazônia. Assim, o PAS, o
Plano BR 163 Sustentável, o MacroZEE, as políticas de C&T e o Ordenamento territorial e
ambiental para a Amazônia estão sendo discutidos nos Simpósios.
O terceiro e último Simpósio, então, será feito no Museu Goeldi, em Belém do Pará, em maio
deste ano (data a confirmar) e será organizado em duas mesas redondas, tendo como temas
principais, as propostas de Bertha Becker de inserção das dimensões humanas e territoriais
nos programas do MCT (como o LBA, Geoma, Projeto Cenários, etc.) e os desafios da
Revolução Beckeriana, que seria "uma verdadeira revolução científica enfocada na
biodiversidade nacional, e em especial na biodiversidade da Amazônia" (Charles Clement,
2003). Neste último aspecto, Bertha em seu mais recente paper denominado “Amazônia:
Crise mundial, Projetos globais e Interesse Nacional" publicado na Revista Territórios, em
2012, propõe renovar o quadro institucional de C&T na Amazônia, com a criação do Instituto
do Coração da Floresta, criação de Parques Tecnológicos e criação do Madeiramazon. Será
possível? De que forma e com quem contamos? O que é possível hoje fazer na AMAZÔNIA para
revolucionar a ciência que aqui é praticada rumo a um novo padrão de desenvolvimento?
Certamente que as discussões serão calorosas e ofertarão insumos ao debate nacional sobre o
tema. Aguardem mais detalhes sobre a programação no site do INCT (http://saturno.museugoeldi.
br/inct/)
Saudações cordiais,
Ima Vieira
Pesquisadora Titular do Museu Goeldi
Coordenadora do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia

sexta-feira, 8 de março de 2013

Notícia sobre o II SIMPÓSIO

Matéria publicada no Jornal Brasil (http://www.jornalbrasil.com.br/)


A geógrafa Bertha Becker defendeu nesta quinta-feira (7) o diálogo entre ciência e políticas públicas para a Amazônia, destacando o aspecto da integração como elemento central na discussão, diante das inúmeras ações feitas na região sem alcançar o sucesso almejado.

“O diálogo é urgente. Isso porque são muitos planos sucessivos e planejados e não efetivamente construídos. Falta uma política que costure isso”, afirmou a pesquisadora, que se define como uma geógrafa política.
Para tanto, acrescentou Bertha, ainda é preciso implementar um padrão de desenvolvimento que transforme as tendências globais em oportunidades, de forma não predatória, e superar o falso dilema entre conservação entendida como preservação intocável e a utilização entendida como destruição.
“Produzir para conservar é a meta para o novo paradigma científico e tecnológico”, disse, ao lembrar outras questões a serem consideradas, como os conflitos de interesses na região.
As considerações foram feitas em videoconferência realizada no segundo simpósio da série de encontros promovida pelo Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG/MCTI), por meio do projeto INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O objetivo é discutir as propostas da pensadora por um novo modelo de desenvolvimento da Amazônia.
O encontro, realizado nesta quinta-feira (7), no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), em Brasília, reuniu cerca de 50 especialistas - entre pesquisadores, gestores públicos e empresários - e contou com a participação do secretário executivo do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação, Luiz Antonio Elias e do secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento, Carlos Nobre.
Referência
Aos 82 anos, Bertha é apontada como referência na área. A carioca realizou sua primeira visita à Amazônia no fim dos anos 60 e, desde então, fez do bioma seu grande foco de pesquisa.
É doutora e livre-docente em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e realizou o pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Membro Academia Brasileira de Ciências, atua como consultora na formulação de políticas públicas para o MCTI e para os ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente.
Luiz Antonio Elias lembrou as inúmeras contribuições da geógrafa em eventos do ministério, entre elas, a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, que orientou a elaboração da Estratégia, Nacional de Ciência e Tecnologia (2012-2015).
O secretário ressaltou o pensar a ciência e a tecnologia de forma inclusiva para a Amazônia com olhar nas dimensões econômica, social, espacial e territorial. “Isso trouxe elementos importantes para que desenvolvêssemos políticas públicas pensando a inovação como um processo inclusivo”.
Em sua apresentação, Carlos Nobre traçou um esboço do programa Estruturante para a Amazônia, que vem sendo desenhado por sua pasta, pela Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Setec) do ministério e por instituições de pesquisa. O programa, com foco na formação e na inovação, considera recomendações da pensadora.
“Bertha trouxe contribuições que nos iluminaram para entender no que precisamos avançar em ciência e tecnologia na Amazônia nesse contexto de enorme diversidade étnica, cultural e biológica”.
O presidente do CGEE, Mariano Laplane, ressaltou o legado “rico e original” para nortear as discussões sobre a Amazônia, ao contemplar vários pontos de vista. “Formular políticas públicas exige ser capaz de focar, diferenciar e calibrar cada uma das ações públicas e com uma visão que incorpore o conhecimento acumulado com a combinação de múltiplos saberes”.
Os problemas socioeconômicos regionais, a falta de mão de obra qualificada e de um marco regulatório que permita o acesso adequado à biodiversidade também pontuaram as discussões no CGEE.
A primeira rodada do encontro que discute as propostas de Bertha Becker, e que funciona como uma oficina entre especialistas para a elaboração de um plano para o desenvolvimento da Amazônia, ocorreu em janeiro, na sede do BNDES, no Rio de Janeiro. O próximo encontro ocorre em maio, em Belém.

Atualização do Acervo

O trabalho que reúne trabalhos de Bertha Bercker foi atualizado e agora dispõe dos primeiros artigos publicados pela Profa. na REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA.
São os seguintes:
1966 – Expansão do Mercado Urbano e Transformação da Economia Pastoril.
1968 – Migrações Internas no Brasil, reflexos de uma organização do espaço desequilibrada
1968 – Aplicação de índices climáticos no Nordeste do Brasil
1970 – Norte do Espírito Santo, Região Periférica em Integração.
1978 - Uma Hipótese sobre a Origem do Fenômeno Urbano numa Fronteira de Recursos no Brasil
1976 – A propósito de um modelo de ocupação racional para a Amazônia.
1978 - Uma Hipótese sobre a Origem do Fenômeno Urbano numa Fronteira de Recursos no Brasil.
1979 – Considerações sobre o Desenvolvimento Regional e a Localização Espacial das Atividades nos Países em Desenvolvimento.

Disponível no site do INCT (http://saturno.museu-goeldi.br/inct/).