sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Desbravando o território da geopolítica


Doutora em Ciências e Livre-docente pela UFRJ, com pós-doutorado pelo Department of Urban Studies and Planning do Massashuset Institut of Technology, como Visiting Scholar. Em 1986, torna-se professora titular de Geografia da UFRJ, por concurso de Livre-Docência; no ano seguinte, assume a coordenação do Laboratório de Gestão do Território (LAGET) do Departamento de Geografia da mesma Instituição, no qual permaneceu até se aposentar, compulsoriamente, em 2000.
Dentre tantas atividades acadêmicocientíficas desenvolvidas, destacam-se: Membro do Conselho Consultivo do Neveg Center for Regional Development, Beer Sheva, Israel; vice-presidente da IAG (International Advisory Group) do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras – G7 / Gov.Bras. / Banco Mundial; Presidente da Associação Nacional dos Centros de Pósgraduação em Geografia (ANPEGE), e vice-presidente, eleita, da União Geográfica Internacional – UGI. Participa também de vários comitês científicos nacionais e internacionais.
Apesar de sua aposentadoria, continua intensamente seu trabalho como pesquisadora e consultora na área de geopolítica do Brasil, particularmente da Amazônia. Por seu trabalho, foi agraciada pela American Geographical Society com a David Livingston Centenary Medal, e pela FAPERJ, com a Medalha Carlos Chagas de Mérito Científico.
Figura de projeção internacional e reconhecida importância no cenário nacional, sempre preocupada com as questões políticas de integração e desenvolvimento, Bertha publicou várias obras e artigos científicos que, hoje, constituem referência e leitura obrigatória para pesquisadores e estudiosos que se debruçam sobre o tema política, integração e desenvolvimento sustentável. Dentre elas, destacamos: Geopolítica da Amazônia. Rio de Janeiro: Zahar, 1982; Amazônia. São Paulo: Ática, 1990; Inserção da Amazônia na Geopolítica da Água. In: Problemática do Uso Local e Global da Água da Amazônia, Belém: UFPA / EDUFPA, 2003; Em Busca do Significado Contemporâneo das Políticas de Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional. In: Reflexões sobre Políticas de Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional. Ministério da Integração Nacional, Brasília, DF: 2000.

Dialogia – Como se pode caracterizar, historicamente, o papel e a presença dos cientistas das áreas de Humanidades na formação do pensamento nacional, ou do pensamento nacional?
Bertha Becker – Seu papel tem sido o de valorizar uma perspectiva de identidade, de desenvolvimento e de autonomia nacionais, ou, em termos mais amplos, de contribuir para a própria construção da Nação. Uma tarefa de modo algum trivial tendo em vista a influência do pensamento externo e os males de origem da sociedade brasileira. As bases da elaboração do pensamento nacional em Ciências Humanas foram lançadas entre a última década do século XIX e a revolução de 1930, época de redefinição da identidade nacional. Dois grandes desafios se apresentaram: de um lado, o de elaborar uma proposta de valorização do nacional, implicando na crítica a uma sociedade estruturada em torno de relações sociais escravocratas; de outro, o de conciliar o universalismo proposto pela influência européia com o projeto de liberação nacional. Esse foi o contexto que favoreceu a germinação das ideologias científicas que dominam o cenário intelectual no sentido de separar o Brasil Colônia e o Brasil Moderno. O progresso constitui-se como meta básica desse processo, pautado nas ideologias científicas do evolucionismo e do positivismo que foram sendo atualizadas como modernização, embora com crescente avanço das bases científicas. Assim como em outros paises, o pensamento nas CH nasceu e foi dominantemente centrado no Estado. A crítica ao Estado, aqui e no exterior, vem se fortalecendo desde as últimas décadas do século XX, atentando hoje, no Brasil, para problemas sociais, ambientais, de cidadania e de integração continental, entre outros.

Dialogia – Qual o campo de atuação desses profissionais no Brasil?
Bertha Becker – Eles atuam, sobretudo, mas não exclusivamente, nas Universidades, no ensino e na pesquisa. Também se organizaram importantes centros de reflexão como o CEBRAP, o IPEA, o IBGE, a OAB, as fundações João Pinheiro e Joaquim Nabuco. Ademais, verifica-se participação crescente dos cientistas das Humanidades na mídia, por meio de artigos em jornais e periódicos e de debates na TV, como provedores de conteúdo crítico para questões nacionais e mesmo internacionais. Não seria demais registrar
a tendência de as Ciências Naturais demandarem aportes das Ciências Humanas para ampliar a compreensão dos processos físicos, como é o caso do Projeto Large Scale Biosphere – Atmosphere Experiment in the Amazon, que incorporou as dimensões humanas em sua agenda.

Dialogia – A instituição tardia da vida acadêmica no Brasil torna nossos intelectuais das Humanidades peculiares?
Bertha Becker –A expressão ‘tardia’ pode ser equivocada, sugerindo a idéia de uma posição a reboque, subordinada a modelos externos. A instituição da vida acadêmica se fez em sintonia com a nossa história. Ademais, embora a institucionalização das disciplinas só tenha ocorrido na década de 30, o pensamento nas CH no Brasil sempre teve fortes vínculos com o exterior, sem grandes hiatos. A ‘peculiaridade’ dos intelectuais das Humanidades no país reside na capacidade de manter essa estreita relação sem a ela se submeter plenamente, dirigindo-a e criando um pensamento próprio.

Dialogia – Qual a importância, para a elaboração de um pensamento nacional, da experiência e circulação internacionais de nossos intelectuais?
Bertha Becker – Experiência e circulação internacionais são condições essenciais para o avanço do pensamento nacional. As identidades são demarcadas em confronto com o outro, e são tanto mais sólidas quanto mais proativas, e não reativas. No caso do Brasil, esse confronto tem gerado uma atitude proativa e, pelo menos para certas CH, é patente o reconhecimento internacional do pensamento nacional.

Dialogia – Em que termos se dá o diálogo entre os intelectuais das Humanidades e a sociedade brasileira? Eles são reconhecidos socialmente, são formadores de opinião, ou se encontram reféns do mercado ou da mídia?
Bertha Becker – Os intelectuais das Humanidades são certamente incentivadores de posturas críticas, e não reféns da pauta da mídia; no entanto, vêm cada vez mais legitimando suas posturas por ela. E deve-se assinalar que ainda é forte a influência de temáticas externas no pensamento das CH, o que, por vezes, obscurece a especificidade nacional. Os intelectuais das CH são formadores de opinião, embora sua influência direta no Estado, no empresariado e nos trabalhadores não seja explícita nem densa, a não ser pontualmente, por certas instituições – como é o caso das informações produzidas pelo IBGE e dos estudos do IPEA – e por pesquisadores individuais em áreas estratégicas como economia, política, advocacia e saúde, que participam crescentemente do próprio aparelho do Estado. Vale também registrar a preocupação da Universidade com atividades de extensão envolvendo projetos com comunidades, ainda em seu início.

Dialogia – Quais seriam hoje os desafios sociais e políticos mais importantes para os intelectuais das CH?
Bertha Becker – Um desafio é dar um passo à frente na análise crítica da sociedade brasileira. Esse tipo de análise é a essência da Universidade e da CH, mas não deve ser confundido com a mera denúncia que, fundamental em certas questões e em certos momentos, pode ser imobilizadora e insuficiente em outros.
Penso que o papel central das CH é fortalecer o clima de reflexão crítica, fugindo da simplificação e demonstrando a complexidade e os desafios atuais da sociedade brasileira, com suas desigualdades sociais e regionais, e, no campo dos desafios internacionais, desenhar o quadro dessa reflexão, indicando elementos necessários à análise e apontando perspectivas. Para tanto, há que reconhecer a diversidade regional como potencial para fortalecimento da identidade, do desenvolvimento e da autonomia nacionais, intensificando o intercâmbio científico e, inclusive, regionalizando os currículos universitários para adequá-los às características e necessidades particulares das diferentes regiões, sem perder as diretrizes das políticas de educação e de ciência e tecnologia.

Dialogia
Entrevista com Bertha Becker

Fonte:  http://www.uninove.br/pdfs/publicacoes/dialogia/dialogia_v2/dialogv2_entrevista_berthabecker.pdf

Sem comentários:

Enviar um comentário