RESUMO
Por que os núcleos urbanos,
tão intrínsecos ao processo de sua colonização, não promoveram o
desenvolvimento da Amazônia? A autora reexamina a história das origens das
cidades amazônicas à luz das teorias de Jane Jacobs sobre as cidades como
motores do crescimento econômico, e de Peter Taylor com respeito às relações
entre cidades e destas com os lugares centrais.
A história da Amazônia
revela que a região ficou à margem do Estado brasileiro, na dependência das
demandas das metrópoles e países estrangeiros, passando por curtos períodos de
crescimento seguidos de longos intervalos de estagnação. Se em tempos coloniais
a apropriação do espaço amazônico pelos europeus seguiu diferentes modelos –
catequização por missionários portugueses e espanhóis; fundação de aldeamentos
para exportação de drogas do sertão
colhidas por indígenas, seguida de intensificação do comércio e urbanização
(Portugal); conquista da terra e busca obsessiva por ouro (Espanha); fundação
de colônias agrícolas e cooperação com grupos indígenas (Holanda) – em épocas
contemporâneas o Estado brasileiro favoreceu a expansão da fronteira agrícola
do Sudeste para ocupar a Amazônia, que ocorreu com a formação contemporânea de uma
fronteira urbana de imigrantes. Por sinal, o Estado brasileiro historicamente
têm-se caracterizado pela implementação de uma geopolítica de controle
territorial da Região Amazônica, criando novas instituições administrativas
(vilas, cidades, capitais) sem fomentar o avanço social.
O trabalho novo na acepção de Jacobs, fundamento do dinamismo urbano
e da expansão econômica, emergiu na Amazônia do trabalho velho representado pelo conhecimento e experiência
tradicionais dos povos indígenas, conforme adaptado pelos europeus. Consistia
numa combinação de novas maneiras de apropriação da terra, de gerenciamento e
logística do escoamento dos fluxos exportadores da droga do sertão: a novidade não estava no produto, mas na sua
escala de exploração, instituindo-se novas divisões sociais (escravos,
imigrantes rurais) sem progressos distributivos. Entretanto, os vários surtos
econômicos que ocorreram nos principais núcleos da região não resultaram em
dinamismo urbano ou de expansão porque não conduziram à mudança de conteúdo,
estrutura ou complexidade da economia.
Da mesma forma, as redes de cidades que definiriam um
fluxo comercial que expandisse a economia regional através de uma substituição
de importações não funcionaram na Amazônia porque ocorreu uma relação de subordinação
hierárquica às demandas externas das metrópoles mundiais. O capitalismo
industrial, que determina a expansão ou retração de determinados produtos e
áreas, estimulou surtos súbitos e abruptamente interrompidos que não permitiram
a consolidação do crescimento efêmero gerado: ocorreu, por exemplo, com a
borracha, a juta, o pau-rosa e a extração mineral. Também contribuíram para a
debilidade da economia regional um mercado doméstico fraco e a perpetuação de
desigualdades causada pela ausência de políticas públicas que promovessem
justiça social.
As poucas cidades dinâmicas
da Amazônia devem essa condição ao comércio associado à circulação, aos
recursos e a privilégios políticos, e se destacam pela criação de trabalho novo
industrial (Manaus), legado de um ou vários surtos (Rio Branco, Manaus,
Santarém e Belém), geopolítica estatal (Rio Branco, Imperatriz), indústria
cultural (Belém, Parintins) ou estimulo resultante da criação de universidades
(Santarém). Em núcleos pequenos e numerosos, a cultura e o saber indígena e
caboclo e os grupos camponeses que trabalham na floresta com produtos não
madeireiros, formam um contingente diferenciado e resistente, de
características próprias. Mas a região ainda se ressente da falta de cadeias
produtivas completas que estruturem e integrem os setores de produção, havendo
o predomínio da economia informal e grande dependência do Estado brasileiro.
É urgente um novo padrão de
desenvolvimento regional, capaz de melhorar as condições de vida das populações
da Amazônia e superar as ameaças à sua sustentabilidade. O aproveitamento da
biodiversidade frente às crises energética, climática e econômica releva a
importância da floresta. Constituem novas e promissoras estratégias o mercado
de carbono e outras medidas preservacionistas centradas em biomas, a atribuição
de valor econômico compatível com commodities
à floresta em pé, o reconhecimento do zoneamento natural dos tipos de
vegetação, a recuperação das cidades como nós logísticos das redes e a criação
de cadeias produtivas completas.
ABSTRACT
Why is that the urban
nuclei, so intrinsic to the process of its colonization, did not promote the
development of Amazonia? The author reviews the history of the origins of
Amazonian cities in light of Jane Jacobs’ theories on cities as drivers of
economic growth, and Peter Taylor’s ones with respect to the relationships
between cities and between these and central places.
The history of Amazonia
reveals the region remained aside from the Brazilian State, depending on the
demands of metropoles and foreign countries, going through short periods of
growth followed by long intervals of stagnation. If in colonial times the
appropriation of the Amazonian space by Europeans followed various models –
proselytization by Portuguese and Spanish missionaries; establishment of
settlements for exporting drugs from the
wilderness collected by indigenous people, followed by an intensification
of commerce and urbanization (Portugal); conquest of the land and obsessive
search for gold (Spain); establishment of agricultural colonies and cooperation
with indigenous groups (Dutch Empire) – in recent times the Brazilian State
promoted the expansion of the agricultural frontier from the Southeast in order
to occupy Amazonia, which happened about the same time as the formation of an
urban frontier of immigrants. Indeed, the Brazilian State has historically been
known for implementing a geopolitics of territorial control of the Amazonian
Region, creating more and more new administrative institutions (villages,
towns, capital cities) without furthering social advance.
In Amazonia, new work as defined by Jacobs – the
basis for urban dynamics and economic expansion – was built on the old work represented by traditional
knowledge and experience of indigenous peoples, as adapted by Europeans. It was
a combination of new ways of land appropriation, management and logistics of
the export flow of drugs of the
wilderness: the novelty was not in the product, but in its level of
exploitation, as new social divisions (slaves, rural immigrants) were
established without distributive advances. However, the various economic surges
in the main nuclei of the region did not result in urban dynamics or expansion
because they did not lead to changes in the content, structure or complexity of
the economy.
Likewise, the city networks that could define a
commercial flow that expanded the regional economy by means of import
replacement did not work out in Amazonia because of a relationship of
hierarchical subordination to the external demands of world metropoles.
Industrial capitalism, which determined the expansion or retraction of given
products and areas, has stimulates sudden and abruptly interrupted surges that
did not allow for the consolidation of the generated short-lived growth: this
happened, for instance, with rubber, jute, rosewood and the mining
industry. Also contributed to the
general weakness of the local economy a puny domestic market and the
perpetuation of inequalities caused by the lack of public policies promoting social
justice.
The few dynamic cities in Amazonia owe that condition
to the commerce associated to traffic, resources and political privilege, and
can be characterized by the creation of industrial new work (Manaus), the
legacy of one or more surges (Rio Branco, Manaus, Santarém and Belém), State
geopolitics (Rio Branco, Imperatriz), cultural industry (Belém, Parintins) or a
stimulus resulting from the creation of universities (Santarém). In small,
numerous nuclei, indigenous and caboclo culture and lore and the peasant groups
working in the forest with non-wood products form a separate, resilient body
with their own specific features. But the region still suffers from a lack of
complete productive chains structuring and integrating the production sectors, with
a predominance of informal economy and great dependency on the Brazilian State.
A new standard of regional development is urgently
needed, one capable of improving the life conditions of Amazonian populations
and overcoming the threats to their sustainability. The utilization of
biodiversity to face the energy, climate and economic crises points out to the
importance of the forest. There are new and promising strategies such as the
carbon market and other conservationist measures centered on biomes, the attribution
to the standing forest of an economic value compatible with that of some
commodities, the recognition of the natural zoning of vegetation types, the
recovery of cities as logistical knots in networks and the creation of complete
productive chains.
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