Professora Adjunta, Departamento
de Geografia,
Universidade de Brasília
yoya@uol.com.br; yoya@unb.br
BECKER, Bertha e STENNER,
Claudio. Um Futuro para a Amazônia. São Paulo: Oficina de Textos, 2008. Série “Inventando
o futuro”. 150 p. ISBN 978-85-86238-77-2.
Incluído na série “Inventando o
Futuro”, da Editora Oficina de Textos, Um Futuro para a Amazônia apresenta uma
discussão substantiva sobre caminhos possíveis para o futuro da região
amazônica. Resultado de mais de trinta anos de pesquisas na Amazônia, os
pesquisadores Bertha Becker e o Claudio Stenner apresentam uma visão coesa e
muito bem fundamentada das potencialidades da região, num contexto de
globalização, rearranjos geopolíticos e novas valorações do espaço geográfico.
O livro está organizado em sete
partes ou capítulos, articulados a partir da explicitação das potencialidades amazônicas como
região única no contexto brasileiro, sul-americano e mundial. Cada capítulo
apresenta um aspecto dessa potencialidade, exposto com independência
argumentativa, respaldo empírico e fundado numa profunda compreensão geográfica
e histórica da região.
A obra tem o mérito de oferecer
ao mesmo tempo um enfoque geográfico e geopolítico da Amazônia e de transitar pelos
campos da economia política e da história. Simultaneamente, esses campos do
conhecimento dialogam a partir da realidade regional, sem que se perda o fio
condutor nem a coerência interna da argumentação.
Da perspectiva da geografia,
descreve e analisa com maestria o espaço amazônico, considerando os seus
atributos naturais e o processo de formação do seu território, bem como a produção
do seu espaço, sob as diferentes lógicas que atravessaram o território e a
partir de diferentes escalas.
O capitulo de abertura expõe a
formação da Amazônia, colocando um dos pontos centrais da argumentação dos
autores: o fato de se ancorar na economia-mundo como categoria de análise. A
região seria inicialmente a parte periférica da lógica que origina a economia
de fronteira, alicerçada na relação sociedade-natureza. Essa dicotomia, que ainda
perpassa a compreensão da região, postulava a inesgotabilidade dos recursos naturais,
o que garantiria o seu crescimento perpétuo.
Essa fronteira, no entanto, é móvel e dinâmica, porque registra o
deslocamento contínuo do povoamento e o processo de produção do espaço.
Mas, qual o papel da ciência, da
tecnologia e da inovação nesse contexto?
Sempre foram centrais na expansão da economia mundo, no sistema
capitalista e na descoberta e apropriação de novos nichos de valorização
regional, tais como terras e recursos
naturais. A inovação é constantemente
estimulada para a construção de um novo ciclo de valorização. Nesse sentido, a ciência, tecnologia e
informação fazem parte da geopolítica do território na medida em que produzem
informação-conhecimento, ações e perspectivas estratégicas para o controle e
utilização do território.
Na expansão da economia mundo se
explicita a lógica da configuração e reconfiguração do território amazônico em
diferentes momentos históricos e da sua vulnerabilidade aos processos que
transcendem as suas fronteiras. Dessa forma, apresentam-se, já no século XVII,
as duas lógicas diferentes que a perpassam: a externa, que privilegia as
relações com a metrópole, e a interna que ressalta as necessidades e
potencialidades desde dentro, desde uma perspectiva endógena.
Na narrativa sobre a integração
regional, descreve-se a importância do planejamento governamental para garantir
o controle territorial e a possibilidade de intervenção na economia regional,
não sem considerar os conflitos sócio-territoriais embuídaos no processo. Nesse
contexto, a tecnologia territorial do Estado brasileiro é salientada, com os
diferentes programas de desenvolvimento, os arranjos institucionais e a malha político
administrativa que deram contexto operacional, político e logístico às ações
governamentais ao longo do século XX.
O processo de urbanização da
região, junto com o adensamento da conectividade estrutural do território, a organização da
sociedade civil e a apropriação “desde dentro” da região são algumas mudanças
estruturais pelas quais a Amazônia vem passando, como parte das suas dinâmicas contemporâneas,
tendo CT&I como propulsores centrais. No entanto, os autores explicitam uma
incógnita para a Amazônia na sua passagem para o século XXI: como superar a
dicotomia desenvolvimento-conservação e traçar um futuro regional que lhe
permita ser um heartland ecológico?
É um futuro que permita valorizar
os recursos endógenos, levando em consideração a dinâmica da economia mundial e
a expansão dos mercados para recursos como água, energia, alimentos, fármacos
etc., e compatibilizar esse processo com a conservação da natureza e a inclusão
social da população.
Essa pergunta é respondida nos
capítulos seguintes, dedicados aos temas da biodiversidade, dos recursos
hídricos, da conectividade e da urbanização da região, além do capítulo final,
que discute diretamente qual é o futuro efetivamente possível para a região.
A imaginação geográfica é central
a essa resposta, entendida como consciência espacial que reconhece, discerne e
aceita as potencialidades e limitações regionais no delineamento das ações, pautada
numa coerência ética e técnica. Nessa consciência espacial, a ciência e a
tecnologia são de novo protagonistas já que, corroborando o argumento inicial
do livro, têm sido e continuam sendo parte fundamental na modelagem do espaço
geográfico amazônico. Nesse processo, o
conhecimento é valorizado, ao colocá-lo como núcleo centrípeto que, iluminando
o presente, permite a imaginação fértil das possibilidades do futuro.
No bojo dessa imaginação
geográfica se esboça o modelo espacial possível e desejado, o de uma floresta
urbanizada, com cidades que sejam expressão do conhecimento regional, tanto
tradicional quanto ou mais avant guarde em ciência e tecnologia, conectadas
entre si, com o resto do Brasil e com a América do Sul. Essas cidades
comandariam cadeias produtivas baseadas na biodiversidade regional e que não
destruam a floresta.
Nesse sentido, confirma-se a
necessidade de superar o pensamento dicotômico que emoldura toda ação amazônica
na disjuntiva desenvolvimento – conservação, que tem polarizado as posições e
as políticas públicas.
É nesse espírito de pensamento
que se propõe produzir para conservar, isto é, ter consciência do valor
econômico dos recursos amazônicos, como a madeira, a água, a biodiversidade
etc. e criar as condições produtivas que garantam a conservação desses recursos
concomitantemente ao seu uso sustentável.
Mais uma vez, ciência, tecnologia e inovação são protagonistas nesta
empreitada. Precisa-se de um novo paradigma de CT&I para organizar a base
produtiva sem destruir a natureza.
CT&I são, dessa forma, condições necessárias para viabilizar o
desenvolvimento. Só uma revolução
tecnológica poderá utilizar os recursos da floresta em pé sem destruí-los.
Seria gerada assim uma economia
da floresta baseada num novo paradigma tecnocientífico que perpasse todos os
componentes de uma estratégia de desenvolvimento regional. Mas, para isso, é
preciso ainda superar e resolver alguns problemas e dinâmicas presentes na região,
como as desigualdades sociais e regionais e a questão fundiária. Na Amazônia
perdura o problema estrutural da apropriação da terra em meio a intensos
conflitos e violência. É necessário também enfrentar e resolver a carência
logística regional e a má condição das redes de transporte, de serviços de
informação/comunicação, de energia e armazenagem. São essas redes que garantem
a conectividade do território e produzem uma malha territorial
integradora. Essa conectividade deve dar
densidade às redes urbanas da floresta urbanizada. A estrutura reticular
garante um padrão espacial e as funções territoriais que viabilizem o diálogo
com as demandas sociais e com os imperativos econômicos, num contexto cambiante
de globalização, sem destruir o meio ambiente.
Nesse contexto, antecipa-se a
necessidade de que essa estrutura permita a conexão e integração regional com a
América do Sul, num arcabouço multimodal de transporte e energia e baseado numa
visão de integração aberta. Dessa maneira, é possível reduzir ao mínimo as
barreiras internas ao comércio, e os gargalos na infraestrutura e nos sistemas
de regulação que sustentam as atividades produtivas de escala continental. Da
mesma forma, há que se considerar eixos de desenvolvimento que favoreçam o
acesso a áreas de alto potencial produtivo, sem que se intensifiquem as
dinâmicas perversas de desigualdade e depredação ambiental, velhas conhecidas
do continente.
Num território complexo e diverso
como a Amazônia, os autores explicitam o fato de que coexistem diferentes
espaços-tempos. Há comunidades indígenas e grandes metrópoles coexistindo no
espaço regional, diferentes graus e intensidades de conhecimento tradicional e
científico, formas arcaicas e violentas de uso e apropriação dos espaços e dos
recursos que vivem lado a lado com formas de alta produtividade - nem sempre
por isso menos violentas -, inseridas numa malha político administrativa que
insinua uma modernidade em mosaico, uma estrutura territorial com múltiplas
caras e dimensões.
Essa estrutura territorial deve
privilegiar os fluxos e a estrutura produtiva em forma de rede e deve permitir a interconexão
entre os centros urbanos da floresta urbanizada e policêntrica, a partir dos
quais se comande o processo de desenvolvimento e de subregionalização. Nessa
subregioanlização, consideram-se as áreas de imperativa preservação, que
correspondem às atuais unidades de conservação de proteção integral e as terras
indígenas. Mas, consideram-se também
novas categorias, como as florestas produtivas baseadas no uso da
biodiversidade, as florestas madeireiras, as regiões com potencialidade para
projetos logísticos e minerais, e as áreas alteradas para reflorestamento e
projetos agroindustriais.
No coração dessas propostas está
o imperativo de uma revolução científico- tecnológica que permita concretizar o
novo paradigma proposto, a partir da consciência espacial sobre a região. Esse paradigma
integra o uso dos recursos num modelo não predatório, cuja lógica se concretiza
na multifuncionalidade do espaço regional.
Esse modelo precisa de uma solidez institucional e política que permita
a operacionalização coerente das ações nas diferentes frentes de políticas
públicas.
O livro nos presenteia com uma
visão bem informada da região amazônica, uma visão que contesta o mais
recorrente dos seus mitos, a impossibilidade da concomitância
natureza-desenvolvimento. Além disso, nos revela, efetivamente, o prometido no
título: uma proposta de desenvolvimento articulada, inter-escalar e
interdisciplinar para a Amazônia. A implementação dessa proposta vai depender
da capacidade de articulação da sociedade regional e das diferentes instâncias
de decisão, que deverão reconhecer que existe uma proposta realizável e à
disposição para uma rica e instigante leitura.
Que maravilha de texto, Glória!
ResponderEliminarMuito bom!
:))