ENTREVISTA
GEOGRAFIA POLÍTICA E TERRITÓRIO NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO1
Entrevista com Bertha Becker2
Entrevistadora: Ana Cristina da Silva3
Bertha Becker: Pode me chamar de você.
Ana Cristina: Merleau-Ponty (2004, p. 136) disse no ensaio A dúvida de Cézanne: “É certo que a vida não explica a obra, mas é certo também que elas se comunicam. A verdade é que essa obra por fazer exigia essa vida". Seria essa uma boa provocação para que nos falasse de sua vida no que diz respeito à sua formação e produção intelectual? Escolhi essa citação como uma provocação, porque acho que ela pode ser pensada também para a ciência. Quer dizer, a produção intelectual é também um tipo de criação.
Bertha Becker: Se eu acho que a vida não explica a obra? Explica em grande parte. E a obra em grande parte explica a vida. Eu tive sempre uma curiosidade enorme pelo novo. Daí meu interesse pela fronteira, pela fronteira em expansão. Uma das coisas importantes para as quais eu contribuí foi com o conceito e os estudos da fronteira em expansão, em movimento, não da fronteira política, da fronteira em movimento. Meus pais vieram da Europa, atravessaram o Atlântico e acho que isso também me influenciou no sentido de buscar o novo. Novas terras, novas histórias, novas fronteiras. Então, isso influenciou minha vida e minha vida influenciou minhas pesquisas.
Ana Cristina: Como surgiu seu interesse pela Geografia?
Bertha Becker: Pela curiosidade pelos processos, pelo mundo, pelas mudanças, pelos lugares, descobrir fronteiras, coisas novas. Foi um impulso enorme. Não é por acaso que me dediquei à Geografia Política, aos estudos sobre a Amazônia. Eu desbravei a Amazônia geograficamente! Então, isso me impulsionou para a Geografia, evidentemente. Conhecer processos de transformação, de mudança, de expansão, a dinâmica do mundo contemporâneo, digamos assim. E sempre ligada à minha visão da Geografia como uma “ciência política”. Para mim a Geografia é uma “ciência política”. E por que eu entendo a Geografia como uma ciência política? É que sempre a tônica das minhas pesquisas foram o território e a fronteira. Nunca foi sobre o “espaço”. Foi sempre sobre o território em que a fronteira teve um lugar importante nesse processo.
Ana Cristina: Pensando na sua própria trajetória, você considera que existe um pensamento geográfico brasileiro?
Bertha Becker: Existe um pensamento geográfico brasileiro que eu acho que não se desenvolveu plenamente como poderia. Quer dizer, nós tivemos, e temos, todas as condições para que ele se desenvolvesse: pelas características, pelo tamanho do Brasil, não só pelo território físico, como pela dimensão cultural, pelas diferenças regionais que são um enorme estímulo ao pensamento geográfico. Acho que contribuições importantes poderiam ter desenvolvido um pensamento, efetivamente, mais significativo. Mas, ainda assim, acho que nós desenvolvemos, sim, se compararmos com outros países da América do Sul, ou mesmo com outros países europeus. Acho que, mesmo assim, tem um papel, certa marca da Geografia do Brasil que se distingue de outras por aí.
Ana Cristina: Você acha que há uma relação entre a Geografia brasileira e a cultura brasileira?
Bertha Becker: A Geografia e a cultura? Eu não estou vendo muita, não. Para ser franca com você. A relação da Geografia com a cultura, até nos estudos do regionalismo, não vejo muito, não. Uma das coisas que eu acho que atrapalha o avanço, a consolidação do pensamento geográfico brasileiro é um enorme “fascínio” pelas coisas de fora, de pegar as coisas da moda lá fora e aplicar aqui.
Ana Cristina: Você teve alguma influência no ensino fundamental ou médio, algum professor que tenha influenciado sua opção pela Geografia? Que aguçou sua curiosidade? Ou tem a ver com o fato de você ter vindo para o Brasil muito cedo?
Bertha Becker: Eu não vim para o Brasil. Eu nasci no Brasil. Nasci na Tijuca. “E lá mesmo me criei”. Meus pais é que migraram da Europa paro o Brasil. Não tem nada a ver. Eles é que me contaram. Essa coisa do migrante que vem para cá, que vai descobrir, desbravar, vai fazer a América. Acho que isso me influenciou. Não quer dizer que eu vim para cá, não. Eu nasci aqui, na Tijuca, no Brasil. Mas houve a influência dos meus pais, e outra influência importante foi da minha irmã Fani Davidovich, que fez o curso de Geografia e muitos trabalhos em Geografia urbana. Ela me contava as histórias das pesquisas do [Francis] Ruellan, que ela participava, pelo Brasil afora. E aquilo me tocou profundamente, porque eu já tinha aquela vontade de andar pelo mundo, de conhecer o mundo, de abrir fronteiras. Quando ela me contava das excursões, dos trabalhos de campo do Ruellan, eu vibrava. Então, juntaram-se essas coisas, a influência da minha irmã e dos meus pais, dessa característica de família, eu acho. E não deixa de ser cultural nesse sentido. Nesse sentido foi cultural.
Ana Cristina: Você acha que a Geografia que se faz no Brasil tem dado conta de pensar a questão cultural do país?
Bertha Becker: Não. A questão cultural de jeito nenhum. Acho que ela está bem dissociada.
Ana Cristina: Porque mesmo no caso da Amazônia isso está muito presente. Existem movimentos de ecologistas que veem muito a floresta, e não a Amazônia como um todo, a população, a cultura etc.
Bertha Becker: Mas a discussão sobre a Amazônia não é tanto da Geografia. O que a Geografia avançou tanto na discussão da Amazônia?! Muito pouco.
Ana Cristina: Penso que você foi “pioneira”. Acho que são poucos os estudos além dos que você fez. Além de você, não há muitos nomes na Geografia que pesquisam a Amazônia. Houve o Orlando Valverde, inicialmente, depois vieram o Ariovaldo Umbelino, o Wanderley Messias.
Bertha Becker: Continuo sendo. Pois é. Obrigada. Então, você vê, é uma problemática fantástica, geográfica e os geógrafos não deram a ela toda a atenção merecida. A Geografia poderia ter dado uma contribuição imensa sobre a Amazônia, que corresponde à metade do território nacional. Se for pensar na Amazônia Legal, são 61% do território. Pelo contrário, eu acho que a Geografia tem muito pouco de discussão sobre a Amazônia. Há o Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que estuda a questão da terra e aí chegou à Amazônia muito bem. Dá uma grande contribuição. Você pode concordar ou discordar, mas ele dá. Há o Wanderley [Messias da Costa], que tem feito estudos também. E alguns poucos geógrafos que fizeram. Mas é um número pequeno.
Ana Cristina: O Carlos Walter [Porto Gonçalves].
Bertha Becker: É mesmo. Há o Carlos Walter. Mas você vê que pode contar nos dedos.
Ana Cristina: Toda a discussão que houve no final da década de [19]70, com a chamada “Geografia crítica”, com o Movimento de Renovação, como você se posicionou em relação a ele? Ele foi, de alguma forma, impactante, ou aquilo que você já vinha fazendo não teve muita alteração?
Bertha Becker: Ela foi enormemente impactante, não tanto em mim, mas na Geografia brasileira foi, enormemente, impactante. Tão impactante que às vezes prejudicou. Porque todo mundo só queria fazer aquelas coisas da Geografia crítica. Então, de certa maneira tolheu até certas liberdades que as pessoas podiam ter. A mim, não. A Geografia crítica não mudou o que eu fazia. Não deixei de fazer o que eu fazia. Até concordo com algumas das críticas da Geografia crítica. Mas não mudou muito. Eu sempre fiz trabalhos de campo com muita reflexão. Não fazia nunca uma Geografia descritiva. Mas nunca fiz uma Geografia crítica que se encaixava no sentido do “modelito Marx”. Nunca fiz nem uma coisa nem outra. Sempre fui muito autônoma no meu pensamento geográfico e na minha forma de fazer Geografia Política. “Geografia Política” desde o começo, quando ninguém fazia. Todo mundo tinha medo de Geografia Política, era um palavrão. Ninguém falava, porque tinha medo. Eu fazia pesquisa de campo, sempre procurei juntar a teoria com o empírico, com a pesquisa de campo.
Ana Cristina: Acho que você foi pioneira também ao introduzir a discussão da questão ambiental e do “desenvolvimento sustentável” na Geografia Política.
Bertha Becker: Ah, foi. Fui mesmo metendo a crítica. Mas não presa a modelos pseudomarxistas. Desculpe eu dizer, porque muitas vezes os geógrafos entraram nessa
coisa e fizeram um mau marxismo. Está entendendo?! Não se pode ficar submisso a “modelito”. Os princípios do marxismo tudo bem, pode usar adequando à sua profissão. Mas não ficar fazendo “modelito” copiado de Geografia crítica. Aí acho que houve um prejuízo na criatividade da Geografia brasileira. Então, você vê, a política está no âmago da Geografia porque ela é uma ciência política.
Ana Cristina: Mas essa ênfase é um traço característico seu.
Bertha Becker: Você entendeu bem minha crítica? É aos modelos plasmados de Geografia crítica.
Ana Cristina: Entendi. Você acha que essa Geografia que se faz hoje avançou, em alguma medida, no sentido de algumas formulações que você e o Claudio Egler fizeram no livro Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo, no início dos anos [19]90? Vocês recuperam o sentido de região, trabalharam com espaço e território nacional. Mas há uma pluralidade de temas atualmente (desterritorialização, turismo, cultura etc.). Como você está vendo essas discussões contemporâneas?
Bertha Becker: Por um lado se aprofunda. Há coisas agora, bem recentes, não estou falando só de desterritorialização, não. Por um lado se aprofunda e por outro também repetem coisas lá de fora. Não?! Eu acho que sim! Eu acho que a tendência natural é você se aprofundar, dinamizar o pensamento. Nesse sentido é normal essa contribuição, mas o que estamos vendo hoje não é essa multiplicidade só na Geografia. Todas as disciplinas “entrando pelo território adentro”, e os geógrafos não estão sabendo dar conta plenamente do “seu território”. Estão perdendo o seu “território”. Todo mundo entrou. A Sociologia entrou, a Economia, a Antropologia entrou. Todo mundo “entrou” no território.
Ana Cristina: Até a ciência do Direito.
Bertha Becker: Então, você vê, é uma coisa que está no âmago da Geografia. Porque é uma ciência política. Você entendeu?! Eu acho que assim como houve um excesso da Geografia quantitativa, todo mundo querendo embarcar nos números, em técnicas e modelos, houve também um excesso das pessoas ao quererem adotar um modelo plasmado de Geografia crítica. Todo mundo tentou seguir e acabou prejudicando a criatividade. Tanto a “modelagem quantitativa” excessivamente quanto a “modelagem crítica” excessivamente acabam prejudicando a criatividade.
Ana Cristina: Houve ortodoxia nos dois casos. Ortodoxia do método, da teoria, enfim.
Bertha Becker: Ortodoxia. Perfeito. Houve ortodoxia dos dois lados, exatamente. Foram coisas que impediram o pensamento geográfico brasileiro de avançar e de se consolidar com originalidade.
Ana Cristina: Há uma característica que se apresenta, senão no discurso pelo menos na história do pensamento geográfico brasileiro, que é uma diferença na formação dos geógrafos brasileiros. Recentemente [em 2009], a Mônica Sampaio Machado publicou a tese de doutorado dela sobre a institucionalização da Geografia acadêmica no Rio de Janeiro [A construção da geografia universitária no Rio de Janeiro]. A questão que quero levantar é se você considera que existem uma Geografia “carioca” e uma Geografia “uspiana”?
Bertha Becker: Eu acho que a Geografia “carioca” foi mais livre do que a “uspiana”, no sentido de não ficar tão presa às ortodoxias. Porque, você vê, estou falando de universidade. Porque o IBGE entrou firme na “Geografia quantitativa”, ficou muito preso à Geografia quantitativa, no tempo do Esperidião Faissol. Foi uma coisa muito pesada mesmo. A universidade não tanto. Na universidade acho que tive influência nisso, porque mantive trabalho de campo sobre a questão regional e territorial. Acho que nós não entramos nem tanto numa, nem tanto na outra.
Ana Cristina: Pergunto isso também porque o que se comenta muito é a influência do IBGE na Geografia “carioca”.
Bertha Becker: Não. Eu não acho. Eu acho que não. Eu acho que nós é que formamos a maioria dos recursos humanos do IBGE. Bom, antigamente, pode ser que tenha havido influência. Naquele tempo do Orlando Valverde. Mas veja bem, hoje, somos nós, da UFRJ, que formamos os profissionais que atuam no IBGE.
Ana Cristina: Não estou falando mais recentemente. Nos últimos quarenta anos, penso que não.
Bertha Becker: O IBGE seguiu muito autonomamente. Seguiu a influência mundial da época, da Geografia quantitativa. E quem seguiu isso na UFRJ não foi por causa do IBGE. Não acho isso não.
Ana Cristina: Uma característica do mundo contemporâneo é a globalização. Com você está vendo a relação entre território e globalização?
Bertha Becker: A globalização traz muitos impactos sem dúvida, principalmente nas redes de comunicação, nos fluxos transfronteiras, isso é óbvio. Você tem as relações transfronteiriças que, indiscutivelmente, afetam o território nacional, o qual perde sua rigidez em termos de fronteiras, justamente de limites. Mas isso não tira o valor dos territórios e dos Estados nacionais. Os Estados estão aí, por enquanto e por algum tempo. Estou vindo dos Estados Unidos e você vê como estão ajudando o capital, as empresas. Essa ideia de “Estado mínimo” gorou. Estão todos retornando com força, claro que não com a mesma natureza. É difícil destrinchar a “natureza” do Estado, hoje. Mas eles estão aí e têm o seu papel, e o território nacional, evidentemente, que continua a ter um papel, apesar dos fluxos e do fato de as transações serem transfronteiriças. Como você pode ter problemas maiores com as fronteiras, como maiores colaborações nas áreas de fronteira, não é verdade? A questão da soberania mudou de natureza também. Aliás, escrevi sobre isso. Mandei para a França um artigo. A questão é a seguinte: são os próprios Estados que querem tanto participar, fazerem ouvir a sua voz nos fóruns globais que criaram mais espaços para uma governança dual, ou seja, para entidades que passam a ter ingerência, influência nos territórios. Porque essa é uma decisão política dos próprios Estados. São questões políticas, justamente, construídas, inclusive a globalização econômica, porque as decisões são políticas. Então, os Estados têm um papel importante nessa questão. Hoje em dia há pessoas que acham que a soberania deve ser entendida como autonomia. É o melhor termo para mostrar a vulnerabilidade ou não de um Estado e o grau de autonomia que ele tem. Que seria ter ou não a influência, a ingerência de influências externas. É difícil, mas são duas coisas: primeiro, lembrar que são os Estados que tomam as decisões. Não se deve esquecer disso. E, segundo, as relações dependem da maneira como você se relaciona com a situação. Às vezes, você não pode mudar a situação, mas pode mudar a sua relação com a situação. Não sei se fui clara. Está entendendo? Às vezes, são situações difíceis, porque você não tem como mudar a situação, mas pode mudar sua relação com ela.
Ana Cristina: Eu acho que talvez seja um bom momento para você contextualizar isso. Se compararmos o que era feito de “política de Estado” para a Amazônia nas décadas de 1960 e 1970 do século passado, e, se nós pensarmos o que é feito hoje, em termos de
política de Estado para a Amazônia, você acha que avançou do final do século XX até esse início do XXI?
Bertha Becker: Essa é uma pergunta “braba”. Porque, em termos de pensamento geopolítico, muitas coisas que o governo militar fez eram corretas. É horrível ter que dizer isso, mas em termos geopolíticos, assim, de querer modernizar e integrar o território, estava correto. Estimular os investimentos dos empresários no território. Tinha de fazer isso hoje. Expandir os meios de integração, os meios de comunicação. Isso é crucial para a Amazônia. Se não tivessem implantado as telecomunicações, os meios de comunicação na Amazônica, ela não teria tido possibilidade de se articular com o mundo, de se conectar. As telecomunicações foram cruciais. Investimento em exploração mineral é fundamental. Afinal de contas, temos recursos. Agora, houve “mil” problemas também. Nós sabemos, por exemplo, que não se pensou em nada acerca do meio ambiente. Naquela época também, o meio ambiente estava começando a surgir como questão. Não foi em [19]72 a Conferência de Estocolmo?
Ana Cristina: Foi sim.
Bertha Becker: O regime militar começou na década de [19]60. Ninguém estava pensando em termos ambientais. Foi errado, devia ter pensado. E, sobretudo, problemas sociais de desterritorialização. Porque houve mesmo problemas de desterritorialização. Houve mesmo “mil” migrações. Depois desterritorializaram, deram grande poder aos latifúndios.
Ana Cristina: A grilagem de terras.
Bertha Becker: Isso mesmo, a grilagem de terras, grande poder ao latifúndio. A própria Companhia Vale do Rio Doce, que era do Estado, na época, mas que hoje privatizaram, governa quase que, praticamente, metade do estado do Pará. Esse tipo de coisa. Muita coisa errada. Erraram muito. Mas algumas coisas foram corretas em termos da geopolítica. Geopolítica “positiva”, não estou falando de negativa, de querer modernizar o país, de querer incorporar a região efetivamente ao país, porque a Amazônia hoje é uma região quase integrada ao país. Eu agora estou trabalhando numa outra coisa, que é a história da Amazônia, que é completamente diferente da história do Brasil e até hoje as pessoas não se deram conta, ainda. É uma história muito mais vinculada ao Caribe do que à história do Brasil. Não foi uma região de plantations. Foi uma região de pilhagem de recursos, de expedições como foi com o Caribe. Só que não eram territórios
contínuos, mas descontínuos. Mas não vou entrar nisso aqui. E agora? O fato é que até hoje nem a Amazônia foi integrada ao Brasil, nem as outras “Amazônias” aos seus estados respectivos. Então, se avançou, como eu estava dizendo, nos anos [19]60 e 70, durante o regime militar. Houve medidas importantíssimas, decisões políticas importantes e medidas importantes: nas telecomunicações, nos investimentos do setor privado, só que há coisas erradas. Por exemplo, faltam melhorias na pecuária, e não só a questão das terras. Você está entendendo? Agora, hoje, “política de Estado”? Vou dizer uma coisa horrível. Eu acho que há muita discussão, muitas vozes positivas a favor da Amazônia. Nesse sentido acho que mais de Estado do que de governo, mas as políticas estabelecidas e a execução, sobretudo a execução, não são boas.
Ana Cristina: Não avançaram?!
Bertha Becker: Lamento informar. Há muito mais discussão, uma maior participação na discussão, coisa que não havia. Não havia discussão nenhuma, agora há. Mas na execução das políticas, não vejo grande avanço, não.
Ana Cristina: Pois é, porque quando você fala da questão da globalização e da soberania, do território nacional, penso também na crise ambiental. Parece que a globalização pôs a questão ambiental de forma mais evidente, contundente, no debate atual. E o que se percebe é uma mudança na democracia não só como representação, mas como um valor, como um exercício diário efetivo. Você acha que...
Bertha Becker: Hoje é muito mais democrático. Mais não, porque nos anos [19]60 e 70 não havia democracia nenhuma. Ao contrário, o regime militar era autoritário, repressor. Sobre isso nós não temos dúvida. Há muito mais democracia. A democracia é um regime muito mais difícil, no sentido de governar, porque todo mundo dá palpite, todo mundo opina. Tem liberdade de expressão. Mas no “frigir dos ovos”, é nisso que eu quero chegar, na hora de executar política, às vezes, os discursos são lindos, mas na hora de executar, os resultados não são tão efetivos. Quero falar uma coisa sobre a questão da soberania. A questão da soberania é muito conflitiva em relação à Amazônia. Eu tenho dito, estudado isso e mostrado. Hoje você tem pressões na área ambiental, você sabe, já cansei de escrever sobre isso, mas hoje tem uma novidade. Existem processos de mercantilização de elementos da natureza com sérios riscos ambientais. Então, a novidade hoje é essa. Eu estava escrevendo um texto ontem e hoje sobre a questão das mudanças climáticas e as propostas de solução, porque a Amazônia é um
dos focos do debate internacional. Porque juntaram a questão da floresta, do clima e da biodiversidade. Todo mundo fica dizendo que ela é responsável. Não estou dizendo que ela é responsável.
Ana Cristina: Há o mito de que a floresta é o pulmão do mundo, uma ideologia salvacionista.
Bertha Becker: Ideologia e “geopolítica negativa”, porque é uma das formas de fazer pressão. E de tentar controlar o uso do território. Eu já escrevi há algum tempo atrás que a geopolítica mudou. Geopolítica negativa, porque as grandes potências não estão mais interessadas em dominar o território como colônias, porque é muito mais caro hoje. Então, a geopolítica está muito mais preocupada em controlar a decisão sobre o uso dos territórios. Controle das decisões sobre os usos dos territórios. Nesses fóruns globais, na Convenção sobre o Clima, na Convenção sobre a Biodiversidade. Aí você tem a guerra. A guerra entre “norte” e “sul”, para dizer uma coisa bem emblemática, assim, simplificada, mas que todo mundo entende. Guerra como pressão. Geralmente os países desenvolvidos, mais desenvolvidos, contra os países “periféricos”. Sejam eles emergentes, como o Brasil, sejam mais periféricos. Então, propõem esse modelo do REDD [Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal] que eu não vou poder ficar explicando, senão a gente não vai sair disso. Está todo mundo encantado. O modelo é a solução para o clima, para conter, amenizar o clima, o desmatamento, e ninguém vê o que há embaixo dessas propostas. É assim que hoje a questão da soberania anda.
Ana Cristina: Então, talvez se possa dizer que, no caso brasileiro, quando se pensa a Amazônia, não se pensa como território “nacional”, exclui-se o território nacional. E quando se pensa o território nacional, exclui-se a Amazônia.
Bertha Becker: Isso mesmo. Muito bem. Não se pensa no território nacional. Está todo mundo encantado com esse REDD e vão dar rios de dinheiro. É o mercado de carbono. No fundo é isso daí: controlar o mercado de carbono. É uma forma de controlar o uso do território. No fundo é uma “geopolítica pura”.
Ana Cristina: Entra na questão da política de patentes de plantas, animais etc.
Bertha Becker: Da biodiversidade. A discussão é um escândalo! A questão das patentes é um escândalo! É um escândalo. As coisas são tão rápidas e tão enroladas que
fica difícil você entrar no cerne das questões. Então, todo mundo fica fascinado com o dinheiro que pode vir para mercantilizar nossos serviços ambientais. Estão entrando na mercantilização do ar.
Ana Cristina: Há uma contabilidade da natureza hoje. Já existem indicadores para contabilizar.
Bertha Becker: Mas estão nos seduzindo. Agora, é o que estou te dizendo, tem que pensar se vale a pena. O problema são as pessoas que estão embarcando. Mas tem que pensar em mudar o modelo de desenvolvimento, tem que pensar em parar de desmatar. Já estou entrando numa outra discussão.
Ana Cristina: Pois é, mas como vocês têm muita trajetória, muito conhecimento, não dá para conter. É difícil limitar, porque vocês têm muita experiência para contar. E o tempo de vocês é precioso.
Bertha Becker: Eu acabei de fazer um texto sobre a questão da regularização fundiária. Estou fazendo um texto sobre a questão da mudança climática metendo o malho no REDD, quando todo mundo está encantado. Os nove governadores da Amazônia mandaram uma carta para o Lula, em julho, dizendo que o Brasil tem que aprovar o REDD. Esse tal modelo. E tem que mudar de posição. Porque até agora o Brasil não queria deixar entrar no Protocolo de Quioto as florestas nativas. Tem que deixar entrar as florestas nativas.
Ana Cristina: Gostaria de retomar uma questão que remete ao papel do geógrafo.
Bertha Becker: Mas deixa só eu completar. Quero dizer o seguinte: a questão do Brasil, do território, da soberania, tanto a globalização tem a ver, a crise ambiental muitíssimo, a questão da democracia também, porque tem muito mais discurso, palavrório, que resultado. Pronto. Então, o papel do geógrafo.
Ana Cristina: Como você tem visto a inserção dos geógrafos na vida pública nacional? Porque se avaliarmos do ponto de vista institucional, os cursos de Geografia ampliaram bastante. A AGB [Associação dos Geógrafos Brasileiros] continua ativa. Criou-se também a ANPEGE [Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia]. Como você percebe a atuação dos geógrafos perante o Estado, nos movimentos sociais etc. A inserção do geógrafo hoje?
Bertha Becker: Mas qual curso não cresceu? Eu acho que cresceu o número de cursos, basicamente. Eu acho que houve uma ampliação da participação do geógrafo no
funcionalismo público, nas secretarias governamentais dos estados, municípios e federais também, acredito. Acho que aí houve um grande campo de emprego, de trabalho que se abriu. Além do ensino, que era o grande campo de trabalho. Trabalhando com o SIG, com fotointerpretação. Então essa foi uma abertura grande e importante. Do ponto de vista dos geógrafos abordarem problemáticas nacionais e territoriais, mas problemáticas nacionais do ponto de vista da reflexão, de análises críticas, não. Análise crítica para mim é isso, quer dizer, todo mundo está encantado com o REDD e eu vou botando os dedos no problema. E não ficar fazendo pseudomarxismo. Eu acho que do ponto de vista de análises críticas de problemas nacionais, acho muita fraca ainda a participação do geógrafo, socialmente falando.
Ana Cristina: Você acha, então, que é possível concordar, em alguma medida, com a distinção que o professor Milton Santos fez entre pesquisador e intelectual?
Bertha Becker: Não tenho a menor dúvida. Não é só isso, mesmo na pesquisa há muita coisa para ser melhorada. Eu acho que você não pode fazer pesquisa isolada da tua postura política. Pode? A não ser que você fique fazendo somente fotointerpretação, fotogrametria. Eu acho que não tem condição. Você vai fazer história do pensamento geográfico desvinculada da sua concepção política? Acho que de forma alguma. Porque eu não consigo dissociar a pesquisa da política. Nesse ponto eu discordo do Milton [Santos], porque não consigo dissociar a pesquisa da intelectualidade.
Ana Cristina: Vimos esse discurso muito presente com a Geografia crítica, nos anos [19]80, a ideia de uma nova utopia, com o movimento dos trabalhadores, os movimentos sociais etc., quando a questão da práxis e da utopia estava em pauta no discurso do geógrafo.
Bertha Becker: Desabrocharam, né?!
Ana Cristina: Esse discurso não teria inviabilizado a discussão de um projeto nacional para o Brasil? Como é que você vê isso hoje? Como você se posicionaria em relação a essas duas posições?
Bertha Becker: Que duas posições?
Ana Cristina: A questão da práxis e da utopia ou a discussão de um projeto nacional?
Bertha Becker: Eu sou pela discussão de um projeto político nacional. De um projeto político nacional em que a práxis entra, mas não vem como um discurso anterior. Em princípio sim, mas não como um “modelito arrumado”.
Ana Cristina: Diante do que conversamos, o que para você é “geográfico” hoje?
Bertha Becker: O que é geográfico?!
Ana Cristina: O que você define como sendo “geográfico”? O que confere identidade ao discurso da Geografia na atualidade?
Bertha Becker: Eu acho que o que identifica o saber geográfico é a possibilidade de entender a combinação de múltiplas variáveis no território. Enquanto outras disciplinas lidam com o social, com o físico mais especificamente, a graça da Geografia é o resultado de interações complexas. Não é a interação em si. É o resultado das interações. Isso é coisa ainda dita pelo Hartshorne, mas eu acho que ele tinha toda razão. É o resultado de interações no território. Faz uma diferença grande. Não é só interação. Não é só entender a interação.
Ana Cristina: Não é o processo...
Bertha Becker: Não, é o processo. É o processo e a resultante desse processo. Tem que entender o processo.
Ana Cristina: Não pode ficar só no processo ou só no resultado.
Bertha Becker: Não. Mas a resultante é um processo, porque ela está em constante modificação das interações. Elas não são fixas, mas continuamente em movimento. A dinâmica da terra como fruto do resultado de interações complexas. Não é isso que a Geografia faz? Analisar interações complexas?!
Ana Cristina: Precisa analisar essas interações. E o foco da Geografia é a capacidade de produzir essa síntese?
Bertha Becker: Ah, mas não tenho a menor dúvida. Mas não é síntese. É entender a interação e o seu resultado. Não deixa de ser síntese, mas não é só a síntese. Senão fica parecendo que é só a síntese. Aí cai naquela coisa de Geografia Geral que estuda população, urbano etc., e depois a síntese. Não é por aí. Não pode simplificar.
Ana Cristina: Entendo.
Bertha Becker: É a ideia da complexidade, da multiplicidade das interações. Isso eu acho que é muito da Geografia. E eu acho que é isso que se espera do geógrafo. Acho que aí é que o geógrafo e a Geografia contribuem.
Ana Cristina: Acho que recentemente, quer dizer, não é tão recente, mas até o Edgar Morin fez um elogio à Geografia. Porque ele vê na Geografia uma ciência que tem a possibilidade de fazer, ele não usa esse termo, a síntese. Dentre as outras ciências é aquela que está mais capacitada para dar conta da complexidade.
Bertha Becker: Então vamos usar as palavras dele que fica mais bonitinho...
Ana Cristina: Ele pensa que a Geografia é a ciência que é capaz de trabalhar com a complexidade, de ultrapassar as fronteiras entre os domínios das Ciências Naturais e Humanas, de fazer uma interface.
Bertha Becker: Aí, então, pronto. É antiga essa discussão daou na? Geografia. Não é interface, é a complexidade. Acho que a complexidade está sendo muito valorizada.
Ana Cristina: O termo que ele usa em relação às disciplinas é a transdisciplinaridade.
Bertha Becker: É verdade, é a transdisciplinaridade, que é diferente da interdisciplinaridade.
Ana Cristina: Que também é diferente da multidisciplinaridade.
Bertha Becker: Exatamente, mas na Geografia tem um conteúdo que é transdisciplinar. Não é querer puxar a sardinha para a Geografia. É que ela tem, está na essência de seu nascimento, da sua epistemologia e da sua evolução. Está na essência dela a complexidade.
Ana Cristina: Você vê, nesse cenário todo, sobre o qual conversamos, alguns geógrafos contemporâneos que você, fique à vontade para se pronunciar, destacaria com um pensamento expressivo na atualidade?
Bertha Becker: Bom, é evidente que Milton Santos. É contemporâneo? Acho que é. Embora já tenha falecido. [Orlando] Valverde foi, em muito menor medida. Ab’Saber é um nome. Não só na Geografia. Porque também tem isso, que eu acho importante: há pessoas que transcenderam a Geografia. Ab’Saber é um nome conhecido, citado e reconhecido numa outra escala. Eu diria que Milton Santos no topo, mas numa outra escala. Orlando Valverde, [Pedro] Geiger que também é conhecido, reconhecido fora da Geografia.
Ana Cristina: E dessa geração atual, que se formou mais recentemente?
Bertha Becker: Tonico [Antonio Carlos Robert Moraes], Wanderley [Messias da Costa]. Tonico e Wanderley são nomes interessantes. Têm dado importantes contribuições teóricas. Tem aquele livro que eles fizeram [Geografia crítica: a valorização do espaço], devem ser citados. Quem mais? Já falei alguns, né?! Estou falando de gente que eu acho que tem um “tchã”.
Ana Cristina: Uma “marca”...
Bertha Becker: Um “tchã” a mais. Ruy Moreira tem uma cabeça muito interessante. Ruy Moreira tem, não é? Não pode ser esquecido não. Assim de antemão, mas eu acho que ele é importante, tem dado uma contribuição importante
Ana Cristina: Sabemos que você não para. Ainda bem que não para. Trabalha muito. Quais são seus projetos futuros além daqueles que já desenvolve? A coordenação do Laboratório [de Gestão do Território (LAGET)]?
Bertha Becker: Ainda vou continuar coordenando o laboratório durante algum tempo. Ainda não pendurei as chuteiras não. No momento, esse ano, fiz coisas importantes. Eu fiz a Conferência inaugural da ANPUR [Associação Nacional de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional], que me deu um trabalho danado, porque eu tive que ler muita coisa, queria me atualizar. Inclusive porque retomei a questão do território e várias outras coisas. Bom, isso foi importante nesse sentido. Bom, já fiz vários textos para o Itamarati, para as reuniões do Itamarati, que me pediram. Fiz um texto dessa conferência que vou publicar. E aceitei, finalmente, coordenar o macro, conceber, não é coordenar, conceber o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal para o Ministério do Meio Ambiente.
Ana Cristina: E até quando vai esse projeto, a previsão de trabalhar nele?
Bertha Becker: Até dezembro [desse ano] tem que estar pronto, terminar. Você vê, são seis meses. Por isso que estou atolada. E o que eu não falei, é que o ano passado fiz uma assessoria para o ministro Mangabeira sobre a Amazônia. Então, vai sair agora um grande livro com várias ideias sobre a Amazônia. Fiz um ano de assessoria, consultoria, para ele. Coordenei um grupo grande de consultores e fizemos um profundo trabalho sobre a Amazônia. Agora passei para o Ministério do Meio Ambiente. Acabei o trabalho lá, vim pra cá. Graças a Deus não estou vinculada a partido e vou tocando a minha Geografia. E posso dizer que não estou vinculada a nenhum partido político. Posso dizer a você que realmente consegui uma difusão, uma entrada da Geografia em tantos setores que eu mesma, às vezes, fico espantada. Isso é uma coisa importante. Quer dizer, no meu trabalho, eu sempre pensei a Geografia como uma “ciência política”. E sempre considerei o território, as fronteiras. Foram as categorias, não sei se é. Mas acho que é. As categorias que eu persegui, que me seduziram muito antes de a renovação descobrir o território. Se você quiser, eu te mostro meus trabalhos da década de [19]80. Muito importante na comemoração do IBGE, saiu um número especial da Revista [Brasileira de Geografia], ano 50. Eu fiz um trabalho sobre o resgate da Geopolítica, que é muito importante.
Ana Cristina: Ah, eu gostaria de ver sim.
Bertha Becker: Ah, ano 50, número 2, Revista Brasileira de Geografia.
Ana Cristina: Agora ela já está on-line.
Bertha Becker: Ah, não sei. Já está? Depois eu fiz outro sobre contribuições à gestão do território. E fora um outro sobre a questão da região. Mas não vou ficar aqui te dando bibliografia. Então, esse ano já fiz essa montanha de coisas: vários textos, conferências. Vai sair meu livro, agora em setembro. Esse que eu fiz com o [ministro] Mangabeira. E agora estou fazendo também o Zoneamento da Amazônia Legal. Pretendo continuar com o meu laboratório por mais um tempo. E quero diminuir um pouco, por exemplo, hoje eu não aceito tanto convite para conferência. Eu sempre recebo convite para conferências. Agora, por exemplo, me mandaram um e-mail lá de Curitiba para fazer uma conferência, mas não pude aceitar. Não posso aceitar tudo que me convidam, porque senão não faço meu trabalho. Algumas coisas eu faço. Agora, nessa quinta-feira, eu vou para Manaus dar a aula inaugural, do semestre, na Universidade Estadual do Amazonas. E fui convidada dessa vez também pela Universidade de Brasília e pela UFRJ, pela engenharia. Eles estão fazendo curso lá na UEA [Universidade do Estado do Amazonas] e estão me levando lá para dar essa aula inaugural, mas estou cortando muitas coisas. Mas tenho contato com o INPE [Instituto de Pesquisas Espaciais] de São José dos Campos. Tenho muitos colegas, amigos na universidade da Amazônia, nem se fala. Tem a diretora da EMBRAPA [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], muito amiga minha, que era de Belém. Hoje em dia estou sendo chamada pela empresa privada, pelos empresários, que eu acho uma coisa importante. Então, tanto os ministros me chamam para fazer consultoria, como os empresários estão começando a me chamar. Eu acho importantíssimo, não porque eu vou fazer trabalho para eles, mas porque eles têm de entrar na Amazônia decentemente, você entendeu? Não haverá mudanças na Amazônia e implementação de um novo padrão, se os empresários não assumirem junto com o governo e com a população.
Ana Cristina: É preciso disciplinar a entrada deles.
Bertha Becker: Mas tem de entrar, minha filha, senão não dá.
Ana Cristina: Acompanhando seu currículo, o Lattes, algo que me chamou a atenção é que o seu trabalho tem sido muito reconhecido...
Bertha Becker: Ah, mas por quê? Eu tenho sido convidada para fazer palestras na Segurança Nacional, na Câmara dos Deputados. Você sabe de quantos setores eu participo? Ah, e outra coisa, vou fazer uma conferência na ADESG [Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra]. Eu acho que eles apreciam inclusive minha reflexão crítica, porque não vou ficar repetindo os modelitos que vêm de fora. Porque eu, quando aparece uma proposta que vem de fora, como essa do clima, vou lá e digo: “não é bom para o Brasil”.
Ana Cristina: Acho que há um compromisso também intelectual.
Bertha Becker: Tem compromisso intelectual e político com o Brasil. Mas tem, tem mesmo. No âmago.
Ana Cristina: Não é um reconhecimento que se nota só pelas universidades, no meio acadêmico.
Bertha Becker: Eu tenho, ganhei uma medalha de Ordem do Mérito Científico. Tenho medalha do Itamarati, da Ordem do Rio Branco, de Lion, na França, de doutor honoris causa, da American Geographical Society. Ah, nem me lembro as outras. Isso é uma coisa legal.
Ana Cristina: Eu acho importante.
Bertha Becker: Eu realmente difundi a Geografia em muitos setores. Difundo, né?! Não há a menor dúvida. E não fiquei presa na universidade e nem só na Geografia. A maioria dos meus colegas hoje não são geógrafos. Adoro meus colegas de departamento. Mas eu não dou mais aulas hoje. Estou profundamente comprometida com esses projetos. Contudo sou talvez a única geógrafa dentro desses grandes projetos para a Amazônia, entendeu? Então é isso aí.
Ana Cristina: Então, acho que está faltando mais entrevistas.
Bertha Becker: Você não faz ideia da quantidade de entrevistas que eu dou.
Ana Cristina: Precisamos registrar no pensamento geográfico brasileiro.
Bertha Becker: Ah, mas eu me esqueci de falar sobre dois geógrafos, a Lysia e o Nilo Bernardes, que não se pode esquecer também. São contemporâneos também. Atualmente, tem um rapaz lá no nosso departamento que é muito bom: Paulo César da Costa Gomes. É um nome interessante da contemporaneidade.
Ana Cristina: Ah, eu o conheço também. Muito erudito.
Bertha Becker: Muito erudito, muito inteligente. Quem é muito bom também, que ainda está se formando, é o Ivaldo Lima. Foi meu aluno, meu mestrando. Esse é mais jovem ainda, mas é muito erudito na área de Geografia Política. Foi para a [Universidade Federal] Fluminense, fez concurso lá e passou.
Ana Cristina: A Federal Fluminense está crescendo bastante.
Bertha Becker: Ele é uma esperança boa. Fez o doutorado.
Ana Cristina: A pós-graduação da UFF parece que cresceu muito também.
Bertha Becker: Então, você tem mais alguma pergunta? Estou a postos.
Ana Cristina: Não tenho mais nenhuma. Tenho mais é que agradecer sua generosidade em me receber na sua casa e pela disponibilidade de tempo, que eu sei é muito precioso. Muito obrigada mesmo.
Bertha Becker: Eu dou muitas entrevistas, menina, para muita gente e para aquele canal lá da [Rede] Globo, o Futura, e para tanta gente, repórteres. É um sufoco.
Recebido para publicação em outubro de 2010
Aprovado para publicação em outubro de 2010
1 Entrevista realizada no dia 11 de agosto de 2009 na cidade do Rio de Janeiro, como fonte oral para a pesquisa de tese de doutorado, sob a orientação da doutora Eda M. Góes.
2 Geógrafa, pesquisadora e professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
3 Doutora em Geografia pela Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Campus de Presidente Prudente. Professora no curso de Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: ana@iesa.ufg.br
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