A geógrafa Bertha Becker alerta para uma questão pouco considerada por especialistas: a concentração urbana na região amazônica. E cobra um modelo de desenvolvimento tropical sustentável, acompanhado de uma revolução tecnológica
Por Glauco Faria
Cidades desorganizadas, crescendo sem estrutura, criadas antes do agronegócio. A geógrafa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Bertha Becker aponta um cenário de ocupação da região amazônica inverso ao que se imagina. Ela alerta que 68% da população vive em centros urbanos, que cresceram a partir de fortes do período colonial expandidos nos diferentes ciclos econômicos da região.
No processo de globalização, o Estado perdeu o papel de indutor do crescimento das cidades, assumido pelas grandes corporações multinacionais, o que exige que se olhe para a região em busca de um modelo de desenvolvimento diferente, que consiga fugir do dilema desenvolvimento ou preservação ambiental. Ela considera inaceitável a existência de projetos pontuais para a Amazônia, como as usinas do rio Madeira, que não levam em conta outros aspectos como o desenvolvimento humano. Abaixo, a entrevista com a geógrafa.
Fórum – A senhora afirma que hoje a região amazônica é bastante urbanizada. No entanto, quando se fala em Amazônia, mesmo especialistas só discutem preservação ambiental. As pessoas ainda têm uma visão romântica?
Bertha Becker – Ainda têm e não sou eu que afirmo isso. Segundo o Censo do IBGE de 2000, cerca de 68% da população da Amazônia vivem em núcleos urbanos. O que não significa que sejam maravilhosos, existe um grande problema de inchaço, falta de emprego, de habitação e de saneamento. Esse crescimento foi muito grande durante o período de expansão da fronteira em movimento, chamada agropecuária. Como foi rápido, não houve nem tempo das cidades se equiparem para absorver a migração. Esses núcleos foram iniciados como pequenos fortins estratégicos para controle do território da metrópole Portugal, antes da organização agrícola, e alguns deles se expandiram depois com o comércio, particularmente da borracha. Na expansão recente das fronteiras na Amazônia, nas décadas de 1960 a 80, induzida pelo governo militar, a fronteira foi muito mais urbana do que agropecuária. A fronteira urbana antecedeu a produção, foi a base para o desmatamento, para a apropriação da terra. Usou-se inclusive pasto e gado para se apropriar da terra, mas produção em grande escala efetivamente não houve. O Estado estava muito preocupado em povoar para impedir guerrilhas, porque quem controla o território é a cidade.
Fórum – A imagem que se tem é inversa, de que as cidades cresceram depois da expansão do agronegócio.
Bertha – Sim, juntei os estudos que fiz durante as décadas de 70 e 80. Publiquei vários artigos em português, em muitos lugares, mas tenho um particularmente de 1995, publicado pela Unesco, chamado “Desfazendo Mitos: Amazônia, uma floresta urbanizada”. Se os fortins criados pela metrópole colonial cresceram com a exploração da borracha e com outros ciclos na Amazônia, hoje a situação é outra e a mudança está sendo mais rápida. Estamos diante de um processo de globalização e não é mais o Estado que implanta as cidades ou estimula o crescimento delas voltado para o controle. Não é mais o Estado que induz cidades na Amazônia ou qualquer mudança no território, mas é o processo de globalização e o mercado global. E ninguém tem estudado isto.
Fórum – Quem são esses atores do crescimento das cidades?
Bertha – São as grandes corporações, que comandam a dinâmica do planeta. O Estado tem sua força muito reduzida, porque as corporações no mercado global são imperativas. Isso não significa que temos que nos submeter, mas, no mínimo, é preciso conhecer como isso se faz. Estudei muito, na última década, a questão ambiental e mostrei que, dentro dessa preocupação com o clima, com a biodiversidade, da devastação das espécies, há grandes interesses geopolíticos em relação ao potencial de recursos da Amazônia. Quem está promovendo o desflorestamento da Amazônia? São grandes corporações, tradings globais que respondem pelo comércio da soja no mundo, como a Cargill, Bunge, ADM [Archer Daniels Midland], Dreyfuss... Todo mundo só fala do pobre do Maggi [Blairo, governador do Mato Grosso] – que de pobre não tem nada – porque ele é brasileiro. Mas há uma diferença enorme: ele compra terra, produz soja, controla cadeia. As tradings não compram terra e não produzem, mas controlam a cadeia por meio da terceirização. Financiam a produção, com sementes e dinheiro, e depois recebem o pagamento em grãos de soja. E compram o resto que precisarem. Processamento, que agrega valor à produção, só ocorre em Rondonópolis (MT), de toda aquela grande produção de soja do Mato Grosso. É uma imensa exportação de matéria-prima.
Os madeireiros também são atores do desflorestamento, não só na Amazônia brasileira, mas também na sul-americana, além de fazendeiros que exploram a pecuária.
Quanto aos ambientalistas, existem os legítimos, que se preocupam realmente em sustar o desflorestamento, mas existem os capitalistas interessados, a partir da década de 90, em fazer grande reserva de capital natural para uso futuro mediante novas tecnologias. O que está acontecendo no século 21? Por um lado, formou-se um outro mercado, o que chamo de mercado de bens naturais, mercado do ar. É uma vergonha haver cotas de poluição, mercado do carbono, mercado da biodiversidade... Mercado da vida, não é? Existem muitas tentativas globais para regular o mercado da água, mas não se consegue. Foi tentado, nos grandes fóruns globais e nas múltiplas convenções. Mas isso é geopolítica, enquanto se fica no discurso, em reuniões infindáveis, as coisas vão acontecendo.
Fórum – Nesse contexto, há na Amazônia população que é excluída, social e economicamente. O ambientalismo e as políticas públicas ao se concentrar na floresta, deixam de pensar nas pessoas que ocupam a região?
Bertha – Sem dúvida. No início, a grande preocupação foi a floresta, não se pensou no homem. Não digo todos. A ministra Marina Silva, por exemplo, sempre pensou nas populações, mas nem todos na Amazônia são extrativistas. A ocupação é muito mais complexa, com gente que migrou durante a política anterior, do regime militar, de colonos. Existem as cidades, que concentram a maior parte da população, existe a exploração mineral, a Zona Franca de Manaus. Hoje, a economia da Amazônia é muito mais diversificada. A população recebeu muita informação e mudou.
Faço pesquisa de campo e o que digo é baseado no que escuto por quem vive lá. Grande parte da população pede melhoria das condições de vida e, por incrível que pareça, a primeira prioridade é a presença do Estado. O segundo pedido é zoneamento. Quase caí dura quando vi, mas entendo por quê. É basicamente a questão institucional, a presença do Estado, e zoneamento. Ou seja, regras do jogo claras e cumpridas.
Outra demanda são estradas, apesar de todo mundo dizer que não se pode construi-las para não arrebentar a mata. Uma das grandes questões da região é o problema da logística da conectividade, que a ciência e a tecnologia têm que resolver. Não podemos polarizar, de um lado, a conservação ambiental e do outro, o desenvolvimento. É uma falácia.
Fórum – Como fazer para que não sejam excludentes?
Bertha – Tenho proposto três estratégicas básicas para se desenvolver conservando. Uma é o investimento massivo em ciência e tecnologia para uma revolução. Não só de técnicas e nem positivista. É uma ciência e tecnologia transdiciplinar que englobe todas as disciplinas, que lidem com todas as dimensões de uma estratégia de desenvolvimento. A segunda estratégia é a mudança ou fortalecimento institucional, quer dizer, Estado e regras do jogo claras e que sejam cumpridas. Sem isso, não adianta. Terceiro, a regionalização. A Amazônia é imensa, é muito heterogênea, e não se pode pensar que vai se fazer tudo igual para toda a região. No “Plano Amazônia Sustentável”, propusemos três macrorregiões.
Fórum – Em relação à falta de conexão, as usinas do rio Madeira seriam um exemplo, já que é um projeto isolado...
Bertha – Isso não deveria mais poder acontecer na Amazônia. No século 21, um retorno a grandes projetos – embora necessários, já que a Amazônia e o Brasil precisam de energia, de minério etc. Mas hoje, não deve mais ser possível admitir que se faça uma exploração pontual de recursos da Amazônia visando à exportação. O governo não deveria mais admitir. Caso se queira fazer uma exploração de recursos, como usinas, tem que haver um planejamento integrado considerando uma mesorregião. Seria pensar uma usina, junto com a navegação, com a produção de alimentos, com energia renovável se for o caso, com as unidades de conservação de uso indireto e de uso direto, desenvolver redes de biodiversidade. Planejar a diversificação, ligada à exploração do recurso em que uma empresa se interessa, incluindo sua participação. Isso significa colocar em prática a parceria público-privada, que existe no papel, mas ainda não na prática. A empresa privada vai ter que ser enquadrada, segundo novas regras, à lei institucional. Regras do jogo novas, do Estado, dentro das regras estabelecidas pelo Estado.
Fórum – Como a senhora vê a política atual do Ministério do Meio Ambiente? Em uma entrevista à Fórum, o professor Aziz Ab’Saber criticou a influência excessiva de ONGs no primeiro mandato do presidente Lula.
Bertha – Evidente. Toda a política ambiental desde a década de 1990 apresenta a intromissão de um novo ator na Amazônia, diretamente no território amazônico, onde sempre houve influência internacional. São acordos de cooperação internacional que se fazem por meio de financiamento de projetos de pesquisa, portanto de bancos, da ciência e da tecnologia. E das ONG. Mas isso tudo é um movimento só. Nem todos são “vendidos ao imperialismo”. Tenho colaboração com colegas franceses que não contribuem efetivamente para pesquisa dentro desse miolo. Nem todas são iguais, existem ONGs que fazem realmente um trabalho de pesquisa muito bom como é o caso do Imazon e do ISA. E tem aumentado a colaboração com o Estado brasileiro. Mas boa parte das ONGs tem muito financiamento externo. Quer dizer, mesmo que não seja o objetivo...
Fórum – Existe um comprometimento...
Bertha – Eles dizem que não. Mas não se pode desligar de interesses que não são sempre só begninos, só bondade, só generosidade. Há interesses típicos de braços geopolíticos de potências. Não vou citar nomes.
Fórum – Como a senhora vê a grande cobertura que a temática do aquecimento global vem tendo, em especial após a divulgação do relatório do IPPC?
Bertha – Acredito que esteja havendo uma mudança climática sim, mas por conta de condições da própria natureza, que tem ciclos geológicos, medidos em milhares de anos, que podem ser agravados pela grande emissão de carbono, principalmente por parte dos países desenvolvidos do Norte. Não é minha área de pesquisa, mas não acredito no apocalipse por causa dos homens. Quando se quer fazer alguma jogada de mudança geopolítica e econômica, vem logo o discurso do fim do mundo. A mudança [climática] acontece, a emissão de carbono favorece o ciclo da natureza, mas não sei se nessa intensidade e de forma igual em todos os cantos do planeta. No caso do Brasil, a primeira iniciativa a ser tomada é parar o desflorestamento, não somente por causa do clima, mas também porque há um mercado enorme, aberto, que precisa ser aproveitado, porque os outros já estão explorando.
Fórum – O governo brasileiro vem pleiteando que haja uma compensação financeira para quem conseguir reduzir o desmatamento...
Bertha – Já que querem que diminua, paguem, porque preservar tem um alto custo. Acho boa a posição brasileira.
Fórum – Que tipo de política pública a senhora considera exitosa na região amazônica? Bertha – Em uma grande escala, não existe no mundo um modelo de desenvolvimento em país tropical que não tenha destruído a natureza. Se o Brasil conseguir desenvolver esse novo modelo que use a ciência e a tecnologia para aproveitar o patrimônio natural sem destruí-lo e, sobretudo, para gerar riqueza e emprego, poderá se tornar um país tropical desenvolvido, o que seria uma defesa dos países periféricos.
Bertha Becker – Ainda têm e não sou eu que afirmo isso. Segundo o Censo do IBGE de 2000, cerca de 68% da população da Amazônia vivem em núcleos urbanos. O que não significa que sejam maravilhosos, existe um grande problema de inchaço, falta de emprego, de habitação e de saneamento. Esse crescimento foi muito grande durante o período de expansão da fronteira em movimento, chamada agropecuária. Como foi rápido, não houve nem tempo das cidades se equiparem para absorver a migração. Esses núcleos foram iniciados como pequenos fortins estratégicos para controle do território da metrópole Portugal, antes da organização agrícola, e alguns deles se expandiram depois com o comércio, particularmente da borracha. Na expansão recente das fronteiras na Amazônia, nas décadas de 1960 a 80, induzida pelo governo militar, a fronteira foi muito mais urbana do que agropecuária. A fronteira urbana antecedeu a produção, foi a base para o desmatamento, para a apropriação da terra. Usou-se inclusive pasto e gado para se apropriar da terra, mas produção em grande escala efetivamente não houve. O Estado estava muito preocupado em povoar para impedir guerrilhas, porque quem controla o território é a cidade.
Fórum – A imagem que se tem é inversa, de que as cidades cresceram depois da expansão do agronegócio.
Bertha – Sim, juntei os estudos que fiz durante as décadas de 70 e 80. Publiquei vários artigos em português, em muitos lugares, mas tenho um particularmente de 1995, publicado pela Unesco, chamado “Desfazendo Mitos: Amazônia, uma floresta urbanizada”. Se os fortins criados pela metrópole colonial cresceram com a exploração da borracha e com outros ciclos na Amazônia, hoje a situação é outra e a mudança está sendo mais rápida. Estamos diante de um processo de globalização e não é mais o Estado que implanta as cidades ou estimula o crescimento delas voltado para o controle. Não é mais o Estado que induz cidades na Amazônia ou qualquer mudança no território, mas é o processo de globalização e o mercado global. E ninguém tem estudado isto.
Fórum – Quem são esses atores do crescimento das cidades?
Bertha – São as grandes corporações, que comandam a dinâmica do planeta. O Estado tem sua força muito reduzida, porque as corporações no mercado global são imperativas. Isso não significa que temos que nos submeter, mas, no mínimo, é preciso conhecer como isso se faz. Estudei muito, na última década, a questão ambiental e mostrei que, dentro dessa preocupação com o clima, com a biodiversidade, da devastação das espécies, há grandes interesses geopolíticos em relação ao potencial de recursos da Amazônia. Quem está promovendo o desflorestamento da Amazônia? São grandes corporações, tradings globais que respondem pelo comércio da soja no mundo, como a Cargill, Bunge, ADM [Archer Daniels Midland], Dreyfuss... Todo mundo só fala do pobre do Maggi [Blairo, governador do Mato Grosso] – que de pobre não tem nada – porque ele é brasileiro. Mas há uma diferença enorme: ele compra terra, produz soja, controla cadeia. As tradings não compram terra e não produzem, mas controlam a cadeia por meio da terceirização. Financiam a produção, com sementes e dinheiro, e depois recebem o pagamento em grãos de soja. E compram o resto que precisarem. Processamento, que agrega valor à produção, só ocorre em Rondonópolis (MT), de toda aquela grande produção de soja do Mato Grosso. É uma imensa exportação de matéria-prima.
Os madeireiros também são atores do desflorestamento, não só na Amazônia brasileira, mas também na sul-americana, além de fazendeiros que exploram a pecuária.
Quanto aos ambientalistas, existem os legítimos, que se preocupam realmente em sustar o desflorestamento, mas existem os capitalistas interessados, a partir da década de 90, em fazer grande reserva de capital natural para uso futuro mediante novas tecnologias. O que está acontecendo no século 21? Por um lado, formou-se um outro mercado, o que chamo de mercado de bens naturais, mercado do ar. É uma vergonha haver cotas de poluição, mercado do carbono, mercado da biodiversidade... Mercado da vida, não é? Existem muitas tentativas globais para regular o mercado da água, mas não se consegue. Foi tentado, nos grandes fóruns globais e nas múltiplas convenções. Mas isso é geopolítica, enquanto se fica no discurso, em reuniões infindáveis, as coisas vão acontecendo.
Fórum – Nesse contexto, há na Amazônia população que é excluída, social e economicamente. O ambientalismo e as políticas públicas ao se concentrar na floresta, deixam de pensar nas pessoas que ocupam a região?
Bertha – Sem dúvida. No início, a grande preocupação foi a floresta, não se pensou no homem. Não digo todos. A ministra Marina Silva, por exemplo, sempre pensou nas populações, mas nem todos na Amazônia são extrativistas. A ocupação é muito mais complexa, com gente que migrou durante a política anterior, do regime militar, de colonos. Existem as cidades, que concentram a maior parte da população, existe a exploração mineral, a Zona Franca de Manaus. Hoje, a economia da Amazônia é muito mais diversificada. A população recebeu muita informação e mudou.
Faço pesquisa de campo e o que digo é baseado no que escuto por quem vive lá. Grande parte da população pede melhoria das condições de vida e, por incrível que pareça, a primeira prioridade é a presença do Estado. O segundo pedido é zoneamento. Quase caí dura quando vi, mas entendo por quê. É basicamente a questão institucional, a presença do Estado, e zoneamento. Ou seja, regras do jogo claras e cumpridas.
Outra demanda são estradas, apesar de todo mundo dizer que não se pode construi-las para não arrebentar a mata. Uma das grandes questões da região é o problema da logística da conectividade, que a ciência e a tecnologia têm que resolver. Não podemos polarizar, de um lado, a conservação ambiental e do outro, o desenvolvimento. É uma falácia.
Fórum – Como fazer para que não sejam excludentes?
Bertha – Tenho proposto três estratégicas básicas para se desenvolver conservando. Uma é o investimento massivo em ciência e tecnologia para uma revolução. Não só de técnicas e nem positivista. É uma ciência e tecnologia transdiciplinar que englobe todas as disciplinas, que lidem com todas as dimensões de uma estratégia de desenvolvimento. A segunda estratégia é a mudança ou fortalecimento institucional, quer dizer, Estado e regras do jogo claras e que sejam cumpridas. Sem isso, não adianta. Terceiro, a regionalização. A Amazônia é imensa, é muito heterogênea, e não se pode pensar que vai se fazer tudo igual para toda a região. No “Plano Amazônia Sustentável”, propusemos três macrorregiões.
Fórum – Em relação à falta de conexão, as usinas do rio Madeira seriam um exemplo, já que é um projeto isolado...
Bertha – Isso não deveria mais poder acontecer na Amazônia. No século 21, um retorno a grandes projetos – embora necessários, já que a Amazônia e o Brasil precisam de energia, de minério etc. Mas hoje, não deve mais ser possível admitir que se faça uma exploração pontual de recursos da Amazônia visando à exportação. O governo não deveria mais admitir. Caso se queira fazer uma exploração de recursos, como usinas, tem que haver um planejamento integrado considerando uma mesorregião. Seria pensar uma usina, junto com a navegação, com a produção de alimentos, com energia renovável se for o caso, com as unidades de conservação de uso indireto e de uso direto, desenvolver redes de biodiversidade. Planejar a diversificação, ligada à exploração do recurso em que uma empresa se interessa, incluindo sua participação. Isso significa colocar em prática a parceria público-privada, que existe no papel, mas ainda não na prática. A empresa privada vai ter que ser enquadrada, segundo novas regras, à lei institucional. Regras do jogo novas, do Estado, dentro das regras estabelecidas pelo Estado.
Fórum – Como a senhora vê a política atual do Ministério do Meio Ambiente? Em uma entrevista à Fórum, o professor Aziz Ab’Saber criticou a influência excessiva de ONGs no primeiro mandato do presidente Lula.
Bertha – Evidente. Toda a política ambiental desde a década de 1990 apresenta a intromissão de um novo ator na Amazônia, diretamente no território amazônico, onde sempre houve influência internacional. São acordos de cooperação internacional que se fazem por meio de financiamento de projetos de pesquisa, portanto de bancos, da ciência e da tecnologia. E das ONG. Mas isso tudo é um movimento só. Nem todos são “vendidos ao imperialismo”. Tenho colaboração com colegas franceses que não contribuem efetivamente para pesquisa dentro desse miolo. Nem todas são iguais, existem ONGs que fazem realmente um trabalho de pesquisa muito bom como é o caso do Imazon e do ISA. E tem aumentado a colaboração com o Estado brasileiro. Mas boa parte das ONGs tem muito financiamento externo. Quer dizer, mesmo que não seja o objetivo...
Fórum – Existe um comprometimento...
Bertha – Eles dizem que não. Mas não se pode desligar de interesses que não são sempre só begninos, só bondade, só generosidade. Há interesses típicos de braços geopolíticos de potências. Não vou citar nomes.
Fórum – Como a senhora vê a grande cobertura que a temática do aquecimento global vem tendo, em especial após a divulgação do relatório do IPPC?
Bertha – Acredito que esteja havendo uma mudança climática sim, mas por conta de condições da própria natureza, que tem ciclos geológicos, medidos em milhares de anos, que podem ser agravados pela grande emissão de carbono, principalmente por parte dos países desenvolvidos do Norte. Não é minha área de pesquisa, mas não acredito no apocalipse por causa dos homens. Quando se quer fazer alguma jogada de mudança geopolítica e econômica, vem logo o discurso do fim do mundo. A mudança [climática] acontece, a emissão de carbono favorece o ciclo da natureza, mas não sei se nessa intensidade e de forma igual em todos os cantos do planeta. No caso do Brasil, a primeira iniciativa a ser tomada é parar o desflorestamento, não somente por causa do clima, mas também porque há um mercado enorme, aberto, que precisa ser aproveitado, porque os outros já estão explorando.
Fórum – O governo brasileiro vem pleiteando que haja uma compensação financeira para quem conseguir reduzir o desmatamento...
Bertha – Já que querem que diminua, paguem, porque preservar tem um alto custo. Acho boa a posição brasileira.
Fórum – Que tipo de política pública a senhora considera exitosa na região amazônica? Bertha – Em uma grande escala, não existe no mundo um modelo de desenvolvimento em país tropical que não tenha destruído a natureza. Se o Brasil conseguir desenvolver esse novo modelo que use a ciência e a tecnologia para aproveitar o patrimônio natural sem destruí-lo e, sobretudo, para gerar riqueza e emprego, poderá se tornar um país tropical desenvolvido, o que seria uma defesa dos países periféricos.
Fonte: http://www.revistaforum.net.br/conteudo/detalhe_materia.php?codMateria=737
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